O nome mais antigo e mais conhecido é carnaval, mas os três dias de folguedos que precedem a Quaresma também já foram chamados de entrudo. Nosso ano cronológico começa no dia 1.º de janeiro, mas o ano real, efetivo, sempre foi adiado para depois do carnaval. O modorrento verão dava um jeito de empurrar a reabertura das agendas para a Quarta-Feira de Cinzas. Hoje mesmo ela ficou para trás, ultrapassada pela primeira segunda-feira após o tríduo de Momo.
Significa que, enfim, acabou 2005 e começou 2006? Ou 2005, como já se disse aqui, é o ano que não vai terminar? De qualquer forma, será um ano curto, tipo compacto de tevê, atropelado e enganoso, pouco maior do que um semestre. E, como acontece com as gestações breves, condenado a partos prematuros. Tão grande é a pauta de tarefas inconclusas e missões apenas esboçadas que, desta vez, os laboratórios da empolgação eleitoral precisarão inventar algo mais consistente do que a esperança.
O saldo de 2005 é uma montanha de escombros: está tudo em aberto, tudo em banho-maria, tudo pela metade. E rigorosamente dúbio, a começar pelas confissões, desculpas, culpas disfarçadas e vergonhas truncadas que nosso malabarista-mor exibe com enorme competência desde maio.
O nepotismo está sendo erradicado do Judiciário graças ao recém-criado Conselho Federal de Justiça, mas como impor ao Legislativo saneamento semelhante se os parlamentares recusam-se a comparecer ao trabalho mesmo depois do descanso remunerado e em ano de renovação de mandatos? Se nem os pareceres da Comissão de Ética são acolhidos pelo plenário da Câmara dos Deputados, qual a esperança de ver a Casa do Povo a serviço do povo? Nenhuma. E isso, parece, não incomoda a ninguém.
As CPI estão com os seus dias contados, mas os respectivos relatórios estão distantes da conclusão. Esgotada a indignação inicial dos senadores e deputados, evaporada a ira sagrada que os empurrou durante alguns meses para o cumprimento do dever, percebe-se que sobrou apenas uma enorme e lânguida complacência. Sem os poderosos holofotes do ano passado, o nome do jogo agora é Sobrevivência. A qualquer preço. Até que os eleitos em outubro decidam o que fazer com o fétido esgoto a céu aberto revelado a partir do inesquecível flagrante de propina na sede dos Correios.
Iniciado o ano legislativo, salta aos olhos a constatação de que a tal "base aliada" é uma lenda. Este foi o pecado original do governo, seu sonho e seu castelo de areia. Ao longo de quase um mandato perseguiu-se, mas não se conseguiu o necessário suporte parlamentar para tocar um projeto imaginado para transformar definitivamente o país. E quando o governo obteve alguma maioria no Congresso, desvendaram-se os métodos que empregou. Foi no Legislativo que o Executivo se enredou e se o Judiciário não tivesse vindo em seu socorro teria soçobrado ainda em 2005.
Noves fora: há um clima de mentira no ar, a embromação foi assumida como forma de governar. Sumiu o Duda Mendonça e num passe de mágica multiplicaram-se os dudas. Os assanhados marqueteiros estão agora em todo canto, tapando buracos com areia, impingindo animação e estatísticas, promovendo festas e feitos, preocupados somente em desativar os focos de ceticismo. Descrença era atributo, hoje é subversão, sentimento antipatriótico, incompatível com a brasilidade.
Ninguém reparou, mas estamos no picadeiro de um enorme circo onde novos mega-shows como dos Rolling Stones e do U2 deverão criar nas multidões atarantadas a sensação de que vivemos no melhor dos mundos. Ao som do rock and roll.
O carnaval foi, no passado, uma válvula de escape das tensões, oportunidade para a chacota represada e reserva de vitalidade para os próximos dissabores. Como será neste ano é uma incógnita. De qualquer forma, diante do atraso do ano-novo, ficam os votos para um alegre entrudo. E boas entradas.
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