Precisamos falar sobre envelhecimento. É urgente! Na política, na família, nas salas de aula, na igreja, nos clubes sociais, nos salões de beleza, em todo lugar. Mas não sobre o envelhecimento tradicionalmente compreendido como aquele processo natural de se tornar velho, de se transformar em uma pessoa idosa. Precisamos compreender o envelhecimento para além da fase 60+, para além dos “aposentos”, do lugar onde as pessoas idosas chamadas de “inativas” são destinadas.
Afinal, passou da hora de nos despertarmos a uma realidade que vivemos no Brasil. Esta linda Pátria Mãe Gentil ainda é vista como uma jovem nação, formada por uma população relativamente jovem, mas que envelhece a passos largos de forma crescente e acelerada. No Brasil, existem aproximadamente 30 milhões de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, conforme as projeções populacionais do IBGE. Os idosos representam quase 15% da população total. Em 2040, a representatividade da população idosa já deve ter superado os 20%, chegando a 33% da população total em 2060. As pessoas de 80 anos ou mais, que hoje representam menos de 2% da população, deve multiplicar em cinco vezes sua representatividade até 2060, aproximando-se dos 10% da população total.
Pessoas idosas são muito mais do que pessoas que simplesmente têm muitos anos de vida ou conseguiram chegar a uma idade muito avançada.
Mas o que temos feito para lidar com esse futuro próximo que já chegou? Como lidar com o envelhecimento associado à redução das ofertas de cuidados familiares, com os novos arranjos e configurações familiares, com a dependência de cuidados de longo prazo, com a insuficiência de renda individual ou familiar, com a desproteção social dos territórios, com as limitações das redes de ofertas de cuidados públicas e privadas? Como manter a qualidade de vida nas idades mais avançadas?
Com o nosso histórico de políticas públicas, essa conta não fecha. Tradicionalmente, as políticas públicas voltadas à pessoa idosa existem para tratar dos efeitos que o envelhecimento produz na vida do indivíduo, ou seja, a dependência de cuidados, o abandono, a solidão. Além disso, não temos um sistema sustentável a médio e longo prazo, pois grande parte das políticas públicas, atualmente, são baseadas em um país “jovem”, ou seja, que depende do desempenho de uma população economicamente ativa para se sustentar, economicamente falando. Vejam o Sistema Único de Saúde (SUS), a Previdência Social, as políticas de trabalho, entre outras. Com a inversão da pirâmide etária, dificilmente sustentaremos essas políticas nessas bases.
Sem dúvida, o envelhecimento populacional é o grande desafio do século. Pode ser um problema ou uma oportunidade. O estereótipo de uma pessoa idosa está muito associado à doença. Mas não podemos esquecer que a doença não é natural. Natural é a saúde. Afinal, não é a doença que acompanha a idade. A condição com que se chega à idade mais avançada será a que se passou ao longo da vida. Então, enfatizo: pessoa idosa somos todos nós, pois o envelhecimento é um processo diário influenciado pelo estilo de vida, pelo acesso a conhecimento, a serviços e a oportunidades, individualmente.
Pessoas idosas são recursos extraordinários presentes na sociedade. São fontes de conhecimento, valores e fé.
Acredito que ainda passaremos por mais algumas gerações para aprendermos a viver de forma saudável e ter longevidade, mas é preciso enfrentar de forma global a questão da velhice. Por isso, precisamos compreender que a responsabilidade é individual e coletiva. Nesse sentido, urge repensar sobre a responsabilidade com a pessoa idosa atual, passar a enxergá-la não como uma categoria, mas como um ser humano que necessita de atenção especial, principalmente aqueles que estão em situação de fragilidade e abandono.
A responsabilidade tem que ser plural e diversificada: não podemos deixar tudo por conta do Estado. Também não podemos deixar toda a responsabilidade por conta da família. É preciso integrar o setor público com o privado. É preciso haver uma revolução cultural, capaz de enxergar que as famílias não são mais as mesmas, se constituem em diferentes formatos, com tamanhos cada vez menores, juntando muitas vezes no mesmo espaço quatro gerações (criança, jovem, adulto e pessoa idosa) incomunicáveis e que não se pode delegar, exclusivamente, à mulher a responsabilidade do cuidado com as pessoas idosas.
A institucionalização precisa ser encarada como uma situação excepcional. É preciso revisitar os valores familiares e relembrar do compromisso de todos para com as gerações. Inclusive, revisitar o texto constitucional, em seu artigo 227, que lista o rol de responsabilidades. Precisamos construir o respeito da pessoa idosa no seio de sua própria família. Preferencialmente, buscar favorecer a sua permanência com os seus, ampliando esse compromisso pelo não acolhimento da pessoa idosa em instituição de longa permanência, conforme o caso. Se não trabalharmos a corresponsabilidade intergeracional dentro da própria família, como os jovens olharão para o futuro com esperança, se a velhice é um verdadeiro naufrágio?
Recentemente estive em missão a Portugal e ao Vaticano com uma comitiva brasileira de representantes da Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara dos Deputados, com outros representantes do Paraná. Nessa ocasião, tivemos a oportunidade de fortalecer parcerias com a Universidade de Coimbra e a Pontifícia Academia para a Vida do Vaticano para criarmos uma rede colaborativa de Inovação capaz de desenvolver novas abordagens de viver de forma saudável para viver bem por muito mais tempo, sob a perspectiva do novo conceito de envelhecimento: vida saudável e longevidade.
Além dessas agendas institucionais, tive o privilégio de estar diretamente com o papa Francisco e de tratarmos da pauta do envelhecimento que, além de ser o líder religioso da Igreja Católica Apostólica Romana, é chefe de Estado. Nessa audiência, o papa Francisco nos disse: “Não podemos nos esquecer de cuidar dos que de nós mais precisam, pois amanhã seremos nós que precisaremos de atenção, compaixão e ternura dos que de nós cuidarão.”
O envelhecimento nos desafia, seja no campo da ciência, da assistência ou das relações. Pessoas idosas são muito mais do que pessoas que simplesmente têm muitos anos de vida ou conseguiram chegar a uma idade muito avançada. Pessoas idosas são recursos extraordinários presentes na sociedade. São fontes de conhecimento, valores e fé.
Nesse 1º de outubro, convido você a refletir sobre o Dia Internacional da Pessoa Idosa não como um dia para celebrar, simplesmente, mas como uma oportunidade de relembrar e de reafirmar o compromisso que temos de participar de uma mudança revolucionária da atual cultura, buscando compreender que o envelhecimento já chegou e que precisamos desenvolver uma cultura que respeita e que cuida.
Leandre Dal Ponte é secretária estadual da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa do Paraná.
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