O Brasil investe algo em torno de 6% do PIB em educação pública. Não é pouco! É a média do que investem as nações com bons resultados em avaliações internacionais. No entanto, em qualquer ranking comparativo de desempenho escolar, sempre pontuamos entre os últimos países. E, internamente, a nota 3,9 (em uma escala de 0 a 10) do último Ideb (de 2019) para o ensino médio é por demais ignominiosa.
É admissível que um estudante conclua o ensino médio sem saber resolver uma equação do primeiro grau? Não, mas, incrivelmente, isso aconteceu com exatos 96,6% dos estudantes paulistas do terceiro ano, conforme demonstrou a prova Saresp aplicada pela Secretaria de Educação nas escolas estaduais públicas no fim de 2021 (após dois anos letivos sob pandemia), cujos resultados estatísticos foram divulgados há poucas semanas.
Na supracitada prova, foram avaliados os componentes curriculares Português e Matemática. Os resultados foram pungentes: o nível demonstrado pelos estudantes do terceiro ano do ensino médio é equivalente ao de oitavo ano do ensino fundamental – ou seja, foi como se eles não tivessem cursado o ensino médio ou, sob outra ótica ainda, não tivessem finalizado o ensino fundamental. Em Português, 76% não conseguiram interpretar um texto literário. Qual a chance de essas perdas serem recuperadas? Lembremos que são alunos concluintes da educação básica.
A pandemia comprometeu ainda mais o nosso combalido sistema educacional, pois asfixiou perversamente as oportunidades e o futuro de nossas crianças e adolescentes. Na mesma data, a prova Saresp também foi aplicada para crianças do quinto ano (o resultado indicou que 61% não souberam calcular o troco de uma compra) e para adolescentes do nono ano (85% erraram ao calcular um simples problema de porcentagem).
Compreende-se que, para uma grande maioria de brasileiros, esses resultados tão comprometedores da qualidade de nossa educação pública sejam enfadonhos de tão repetitivos e a poucos causem indignação. Por esse motivo, talvez, escassas são as cobranças por ações dos governantes e o efetivo envolvimento deles em atitudes concretas para uma mudança de cenário. Necessitamos de alternativas consistentes e persistência, pois o atual modelo há muitas décadas apresenta resultados inaceitavelmente baixos. Cabe aqui reproduzir uma advertência atribuída a Albert Einstein: “Insanidade é continuar fazendo a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.
Se precisamos de resultados melhores, devemos agregar novas experiências e práticas, que vão desde capacitação dos professores e busca por maior comprometimento dos alunos até a própria gestão escolar (um dos grandes desafios). E uma das alternativas está no modelo de escola charter que surgiu nos EUA em 1991 e hoje é responsável, naquele país, por 7 mil escolas, distribuídas em 86% dos estados, que atendem 3,2 milhões de matrículas (a maioria de estudantes oriundos de famílias de baixa renda). Eram e continuam sendo escolas públicas, porém administradas pela iniciativa privada mediante contrato atrelado à conquista de bons resultados.
Se precisamos de resultados melhores, devemos agregar novas experiências e práticas
Há estimativas de que, atualmente, há cerca de 5 milhões de alunos que gostariam de se transferir para escolas com esse formato de administração escolar. Estudos apresentados pela Universidade de Stanford mostraram resultados alvissareiros: “As escolas charter apresentaram os seus melhores resultados em grupos tradicionalmente desassistidos”, pois reduziram os índices de evasão e reprovação, aumentando o contingente de ingressantes nas faculdades.
Evidentemente, nem tudo são flores, pois nem sempre as metas são alcançadas. Ademais, é um tema que gera embates urticantes pelo receio de ser o portal para a “terceirização” ou a “privatização” da educação. Mas não se trata de nada disso, pois a escola permanece pública. Em tantos outros setores, celebram-se contratos entre o público e o privado, como, por exemplo, em hospitais, saneamento básico, rodovias, metrôs, ferrovias, portos, aeroportos, geração de energia, estádios, iluminação pública, complexos prisionais etc. Recentemente, a prefeitura de Belo Horizonte celebrou contratos de parcerias público-privadas para a construção e manutenção de 51 Centros de Educação Infantil, mas a gestão pedagógica permaneceu sob a égide da administração municipal.
O custo não necessariamente se amplia, pois a mesma verba que a Secretaria de Educação dispende para aquela unidade escolar é transferida para o novo gestor. Este, por sua vez, possui autonomia administrativa e financeira, inclusive para manejar o seu quadro de pessoal, seguindo cláusulas descritas em contrato. Prudentemente, a implantação pode inicialmente ser gradual, limitada a poucas escolas, para aprender com as eventuais oportunidades de melhoria implementadas antes de uma adoção mais ampla do modelo.
É imperativo constar na licitação que o novo mantenedor tenha experiência consolidada e comprovada em gestão escolar, devendo ser uma organização sem fins lucrativos. Há, no Brasil, muitas instituições que se enquadram nesse critério, como as fundações, associações, entidades religiosas e outras organizações do terceiro setor. Em tendo boa fidúcia, podem atrair doações privadas para investirem ainda mais na melhoria da qualidade do ensino. E, como confiança é uma via de mão dupla, o ente público precisa dar garantias de pontualidade dos repasses financeiros aos mantenedores contratados.
A boa notícia é que já temos no Brasil amparo legal a essas parcerias público-privadas por meio da Lei 13.019/14 (Marco Regulatório das Parcerias entre o Estado e as Organizações da Sociedade Civil), que prevê a celebração de termos de colaboração e cooperação da administração pública com organizações privadas sem fins lucrativos. Depende-se, assim, muito mais de vontade política em planejar e implementar essa que pode ser uma grande revolução na combalida educação brasileira, com grande potencial para gerar os tão almejados e necessários resultados, decisivos para o futuro de nossa nação.
Jacir J. Venturi foi diretor e professor de escolas públicas e privadas, foi presidente do Sinepe/PR e é vice-presidente do Conselho Estadual de Educação do Paraná.
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