Perguntas complexas pedem respostas complexas, raramente definitivas: é praticamente impossível “lacrar” um assunto com tantos vieses e que envolve o bem-estar e o futuro de milhões de estudantes e seus familiares.
Cabe aos bons governantes sempre refletir e procurar a melhor assessoria possível para suas decisões, antes de promulgar decretos em áreas que não dominam. E ninguém domina qualquer área sobre qualquer tema; ouvir especialistas, ponderar, não tomar decisões precipitadas tendo por base apenas a opinião de poucos – as vezes não experts da área, apenas palpiteiros ou religiosos que julgam sob a luz de suas crenças sem embasamento em evidências científicas –, tudo isso evitaria confrontos virulentos que se dão a partir de achismos, envolvimento emocional, simples exercício de poder.
A questão de retornar a educação dos deficientes para escolas especiais, ou continuar no modelo atual de inclusão nas escolas de ensino regular pode ter duas respostas: a primeira é não, se isso significar isolamento indiscriminado de estudantes com algum grau de deficiência em estabelecimentos ou salas de aula separados. Isso, além de cruel e ineficaz como método educacional é ilegal: a Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015), também chamada Estatuto da Pessoa Com Deficiência, que entrou em vigor em 2 de janeiro de 2016, estabelece punições para atitudes discriminatórias e prevê mudanças em muitas áreas, destacando-se a educação.
É indispensável entender a diferença entre educação especial e educação inclusiva, o que não é fácil fora dos âmbitos especializados. Desde 2001, o Conselho Nacional de Educação já definira que educação especial, modalidade de educação escolar, é “processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns”, e abrange dificuldades acentuadas de aprendizagem, não vinculada a uma causa orgânica específica, ou então relacionada a condições, disfunções, limitações ou deficiências, e mesmo às altas habilidades, ou seja, grande facilidade de aprendizagem que leva a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes.
Por este motivo, até mesmo alguns educadores têm tido o entendimento de que educação inclusiva é simplesmente a soma de ações e procedimentos para integrar alunos com deficiência em escolas regulares, sentido não coerente com a definição no campo educacional. Educação inclusiva é entendida como aquela que provê a todos o mesmo direito de acesso ao ensino, ou seja, à cultura e conhecimento científico, compreensão de cidadania, apreciação da arte e, principalmente, desenvolvimento da potencialidade cognitiva.
Aos portadores de deficiência, como a todas as pessoas, cabe o direito indiscutível de participarem da vida social, de terem acesso aos atendimentos médicos, psicológicos e quaisquer outros que os ajudem a viver de modo pleno, satisfatório e digno; isso é necessário, talvez não suficiente em todos os casos, para que exerçam a prerrogativa de terem suas diferenças e limitações reconhecidas, e assegurada a real inserção em sua comunidade.
Mas a resposta também pode ser sim, se for aplicada aos casos específicos dos que apresentam deficiências severas que realmente os impeçam de ter qualquer benefício da educação regular.
A melhor política de inclusão certamente não prescinde selecionar algumas escolas com salas e metodologias adequadas, poucos alunos por sala e, principalmente, docentes especializados nas várias especificidades. E para isso o financiamento público é essencial, na correta destinação dos impostos que todos pagamos compulsoriamente, e que devem ser aplicados na melhoria de vida de toda a população, da qual fazem parte aqueles mais necessitados de atenção e cuidados.
No entanto, em escolas públicas são comuns as turmas com 30 e até 40 alunos, e uma simplificação bem intencionada preconiza que todos os deficientes devem ser incluídos em salas de aulas comuns, em igualdade com os demais alunos, o que é justo e válido para as demandas que podem ser atendidas, em grande parte, por condições de acessibilidade ou equipamentos que já são obrigatórios na maioria dos espaços públicos; aplicam-se a deficiências de locomoção e movimento, de visão, de audição e às cognitivas de pequena dimensão.
Porém, para as deficiências mais graves, principalmente as cognitivas, o direito de acesso e convívio não acarreta sempre inclusão ou aprendizado; além da questão óbvia da falta de qualificação de muitos docentes para a metodologia correta, é preciso lembrar que a eles ainda cabe responsabilidade de ministrar conteúdos (Matemática, Língua Portuguesa, Ciências e outras), em salas repletas de alunos com as demandas normais da faixa etária. A grande queixa atual dos regentes de classe no ensino fundamental é exatamente a dificuldade enfrentada na rotina escolar pela inclusão forçada e sem a correspondente formação específica. Muitos relatam a existência, numa mesma sala, de vários tipos diferentes de necessidades educacionais, cada uma delas exigindo formação distinta e individualizado trato pedagógico. E, além de tudo, frequentemente são necessárias salas especiais ou restritas (caso, por exemplo, de certos tipos de autismo em que o aluno não tolera ruídos altos ou a convivência com grupos grandes de pessoas); as instituições privadas são obrigadas por lei a prover os espaços adequados, enquanto a maioria das públicas não dispõe de recursos para isto, os governos até agora não os providenciaram, e dificilmente o farão com qualidade mínima requerida.
Alunos com dificuldades severas têm sido atendidos pelas Escolas de Educação Especial, em entidades filantrópicas do terceiro setor, civil, beneficente e outras, com parte importante de seus recursos repassados pelo governo, porém geralmente não de forma integral. Muitas dessas instituições, que são sérias e desenvolvem um trabalho essencial à sociedade, estão com seu funcionamento em situação precária, em parte pela decisão de que “dinheiro público deve ser apenas para a escola pública”. A questão é que a regra, normalmente válida, tem algumas exceções, fundamentais e extremamente justas, como é o caso das escolas altamente especializadas voltadas ao deficiente, e que realizam atendimento à população carente. O desconhecimento ou o conhecimento superficial do dia a dia destas instituições são responsáveis por atitudes desligadas da realidade e opiniões fundadas em generalizações acerca do que seria a correta responsabilidade governamental. O tema é delicado e, sabe-se, os recursos públicos são limitados, mas esta é uma área humanamente prioritária.
Dar a atenção adequada a alunos com diferentes implicações neurológicas custa caro e exige, além de professores especializados, outros profissionais, como médicos, psicólogos, fisioterapeutas e fonoaudiólogos, que complementam e melhoram o desempenho docente na busca de uma aprendizagem significativa, que represente salto qualitativo na vida do aluno e também de sua família.
Infelizmente, boa parte da escola pública brasileira é precária mesmo no ensino regular, não tendo ainda garantido aos seus matriculados uma boa qualidade de ensino, o que levanta a questão sobre a justiça e procedimento democrático de uma inserção feita abaixo dos padrões mínimos desejáveis. Apesar dos esforços dos dedicados professores da educação especial, que aderiram à política superficialmente humanitária do Ministério da Educação, esta talvez seja temerária e injustificável.
Wanda Camargo é educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil e conselheira da Associação Franciscana de Educação ao Cidadão Especial.
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