Uma das ideias mais prevalentes é a de que famílias pobres, chefiadas por pais e mães com pouco estudo, seriam incapazes de escolher uma escola adequada para seus filhos. É a arrogância travestida de boas intenções, tão corriqueira entre a elite acadêmica. Esta é uma das justificativas para impor um currículo único, inclusive para escolas particulares. Os “bem-intencionados” especialistas temem que os pobres se sacrifiquem para pagar uma escola sem avaliar – ignorantes que são – os serviços oferecidos. É preciso, portanto, assegurar que o currículo de todas seja chancelado pelo MEC. Assim, pelo menos a qualidade – esta mesma que vemos nas escolas públicas – é garantida.
Outra maneira de manter a plebe ignara protegida de suas escolhas infelizes se dá por meio da proibição do uso de recursos públicos em escolas privadas através de vouchers, por exemplo. Neste caso, a proteção relaciona-se menos com questões curriculares – já que neste aspecto não há diferenças significativas – e mais com uma suposta propensão dos “oprimidos” de serem manipulados por empresários “opressores”. Mais arrogância e preconceito.
Claro que a articulação dessas ideias não se dá explicitamente. Dificilmente veremos um especialista do MEC ou de alguma ONG defensora do combo “público-gratuito-de qualidade” expressar o que realmente pensa sobre a capacidade dos mais pobres de fazer escolhas educacionais.
Felizmente, para quem evidências científicas valem mais do que preconceitos, há diversos estudos disponíveis. Um deles – More than scores, de James Kelly e Benjamin Scafidi – se baseia no programa de bolsas de estudo via crédito fiscal no estado americano da Geórgia, por meio do qual estudantes acessam escolas privadas. Ao se investigar as razões das escolhas de seus pais, os pesquisadores descobriram que são justamente os mais desfavorecidos social e economicamente os mais criteriosos ao selecionar escolas.
Como nos Estados Unidos escolas privadas têm currículos diferentes, cada família escolhe aquela que condiz com suas expectativas. Um ambiente seguro e propício à aprendizagem está no topo dos critérios de todos os pais, independentemente do nível socioeconômico. No entanto, para os mais pobres, um currículo focado em disciplinas que preparem o filho para uma faculdade é essencial: ênfase no ensino de Matemática, leitura e Ciências, além de foco em habilidades como autodisciplina e boa expressão oral e escrita. Nada disso deveria surpreender. Pais que não puderam estudar sabem que não há tempo a perder e que, sem ensino adequado, dificilmente seus filhos conseguirão mobilidade social.
O estudo mostra que são eles, também, os mais exigentes quanto ao acesso a informações. Escolas que não se dispõem a lhes fornecer as informações que eles demandam – taxa de conclusão do ensino secundário e de acesso a universidades, por exemplo – dificilmente são selecionadas por essas pessoas. Isto representa um incentivo para que escolas divulguem proativamente suas informações. Escolas querem clientes e famílias querem bons serviços. Não há opressores ou oprimidos na relação entre as famílias e as escolas.
Sim, os pobres sabem fazer escolhas educacionais; não precisam que o Estado ou os educratas lhes digam o que é bom para eles. Basta que lhes seja dado acesso às informações e aos recursos, frequentemente desperdiçados no ensino público, para pagar a escola de sua escolha. Viva a liberdade de escolha educacional!
Anamaria Camargo é mestre em Educação pela Universidade de Hull (Inglaterra).
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