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Opinião do dia 1

Escolhas perplexas

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. A paixão com que a opinião pública tem incursionado em assuntos da agenda internacional, antes restrita a poucos gabinetes, revela tendência inédita do país que vai surgindo: o Brasil que sai da casca e não mais se deseja distante do mundo, também em cultura, política e comércio.

A polêmica em curso acerca do apoio do governo brasileiro ao egípcio Farouk Hosny para dirigir a Unesco, organismo especializado das Nações Unidas para a Ciência e para a Cultura, com sede em Paris, é bem a propósito desse novo tempo. O clamor das críticas se acentua porque estaríamos preterindo brasileiro com chances de eleição, o engenheiro Marcio Barbosa, não diplomata como se propala, mas funcionário da ONU pouco conhecido por aqui.

A assim proceder, o governo Lula reiteraria equívoco histórico do tucanato, quando o Palácio do Planalto omitiu-se na deposição de outro brasileiro, José Maurício Bustani, da direção da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ao adequar-se aos caprichos do governo norte-americano de então. A partir disso, desmandos sucessivos escalaram para a grotesca invasão do Iraque, na caça dos arsenais nucleares imaginários. E, com isso, a eclosão da guerra equivocada e que poderia ter sido evitada pela permanência de Bustani, firme em suas posições, conforme ainda lembram os críticos da omissão brasileira.

Tanto em relação à primeira situação, como em referência ao presente, têm-se desconhecido uma pletora de razões que não cabem na dialética fácil e no simplismo de opor brasileiro a não-brasileiro. As coisas são mais complexas no emaranhado de circunstâncias que permeia a política externa e os seus porquês. Não apenas em política exterior, mas com ênfase nela, aparência não é essência, e cuidados são necessários para evitar a leitura e a análise superficiais dos acontecimentos.

O governo brasileiro, bem a propósito, vem reiterando que a escolha que faz para a Unesco decorre de opção de macro política, a atentar para interesses nacionais superiores, agregador de prestígio perante a Liga Árabe e a União Africana. Considera, com pragmatismo, que a eleição de Hosny é fato consumado e, logo, inútil o Brasil se desgastar, em face de inúmeros pleitos que possui, a abranger a Organização Mundial do Comércio e o Conselho de Segurança das Nações Unidas.

No entanto, as críticas ao aspecto moral de nosso apoio, diante da propalada intolerância primitiva do postulante, que teria exortado à queima de livros e ao anti-semitismo, carecem de resposta pelo governo brasileiro. Na ausência de explicações convincentes a isentar o acusado (que de forma curiosa é proveniente do mesmo Egito onde na noite dos tempos se perpetrou a queima da Biblioteca de Alexandria), o Brasil estaria mais que a compactuar com a barbárie, violando sua própria constituição. Razões de Estado ou apenas interesses superiores da Nação não devem e não podem desconsiderar o elenco de princípios previstos no art. 4º da Constituição Federal, que embasam a atuação internacional do país. E no comando constitucional evocado, dentre outros postulados, assevera-se o repúdio ao terrorismo e ao racismo (inciso VIII), a defesa da paz, (inciso VI) e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (inciso IX), atitudes e convicções políticas que perduram não demonstradas pelo possível futuro diretor da Agência das Nações Unidas para a Ciência e a Cultura que possivelmente iremos eleger.

No presidencialismo de nossa forma de governo, a condução da política externa é monopólio do Poder Executivo, exercida sob a fiscalização nem sempre ágil do Legislativo. Porém, em uma sociedade que se interessa cada vez mais por questões externas e por política internacional, o convencimento da opinião pública é essencial para que governantes ganhem a aceitação de seus eleitores, os derradeiros fiscais. E no tema do voto brasileiro para a direção da Unesco, muito ainda resta a que convencer.

Jorge Fontoura é doutor em direito, professor e advogado, é vice-presidente do Centro de Estudos de Direito Internacional (Cedi), com sede em Brasília.

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