O 13 de maio é uma importante data no contexto da escravidão no Brasil. Por incrível que pareça, tem havido, nos últimos anos, uma tentativa de riscar da memória a assinatura da Lei Áurea como um marco importante na libertação dos escravos. Sem tirar o mérito dos que defendem o 20 de novembro como um ato de resistência, na figura de Zumbi dos Palmares, a história jamais deveria ser apagada por questões de preferências ideológicas.
A história da segregação racial tanto nas Américas quanto no resto do planeta tem o seu embrião na escravidão de seres humanos, independentemente da sua cor. De acordo com Han Borger, em História do Povo Judeu: de Canaã à Espanha, é fato conhecido que praticamente todos os povos escravizaram. Até mesmo os gregos, cultos, evoluídos e criadores da democracia, tinham, somente na cidade de Atenas, mais de 100 mil cativos, o dobro da população de gregos. A origem do termo “escravo” vem dos eslavos, povo escravizado e de olhos azuis que vivia próximo ao Mar Báltico. Segundo Laurentino Gomes, em seu livro Escravidão, até o século 17 os povos cativos no mundo eram em sua maioria branca. A escravidão continua a ser uma vergonha para a humanidade: atualmente, cerca de 40 milhões de pessoas vivem em regime de escravidão, incluindo mulheres e crianças.
Infelizmente, no contexto africano da escravatura, negros escravizaram negros. Ainda de acordo com Laurentino Gomes, isso foi evidente entre os ricos e ocorreu entre várias etnias distintas. Era um negócio tão lucrativo que um tal Francisco Félix de Souza saiu da Bahia no fim do século 18 e fundou a dinastia Souza no reino do Daomé, atual República do Benim. Esse mulato, natural de Salvador, ficou milionário com a escravidão. Nos dias atuais, a sua fortuna seria avaliada em cerca de R$ 600 milhões.
Na África antes da chegada dos portugueses não havia o conhecimento de que os povos que ali viviam fossem do mesmo continente. Nem todos eram negros; muçulmanos eram de pele clara e escravizaram muito. Algo semelhante ocorria entre os índios do continente americano, que eram todos índios, mas jamais enxergariam irmandade nas várias etnias espalhadas entre os atuais Brasil, México e Estados Unidos. Assim também era no continente africano, ressalta Gomes.
Seguindo a linha de raciocínio de uma escravidão geral, mas que em determinado momento teve outro desdobramento, o pensador Yuval Harari, em Sapiens: Uma breve história da humanidade, menciona que os europeus brancos da América, por conveniência, optaram por importar mão de obra escrava da África e não da Europa e leste da Ásia. Isso ocorreu por pelo menos três fatores, um deles a proximidade, uma vez que a África era mais perto e por isso era mais econômica a importação dessa região. Outro fator foi o comércio já existente – na época ocorria na África um consolidado e bem desenvolvido comércio de escravos para o Oriente Médio e, assim, sendo raro o comércio escravo na Europa, optaram mantê-lo onde já existia em vez de iniciar a empreitada do nada. Por fim, outro fator determinante foram os prejuízos que cativos europeus poderiam trazer, uma vez que estes apresentavam alto índice de contaminação por febre amarela e malária enquanto a mão de obra africana, uma vez que eles haviam desenvolvido imunidade a essas doenças, sendo mais vantajoso investir num escravo africano do que num cativo europeu.
Harari ainda menciona que os importadores de escravos não ansiavam ser reconhecidos como pessoas bem-sucedidas no topo econômico, mas passavam a imagem de piedade, defensores da justiça e firmeza de propósitos. Com a ajuda de religiosos, disseminaram o mito de que os povos da África eram da descendência de Cam, filho amaldiçoado de Noé, cuja sentença seria a escravidão. Também tiveram a ajuda de biólogos afirmando que os negros eram menos inteligentes, e de médicos ao dizerem que eles viviam na sujeira e eram transmissores de doenças.
No Brasil, apesar de a miscigenação ser mais aceita do que entre os norte-americanos, os afrodescendentes continuam sendo vítimas de xingamentos, piadas humilhantes e agressões. Sem contar o tratamento que recebem desde que foram libertos pela Lei Áurea. Infelizmente, o Brasil tem, sim, uma dívida com os negros. Eles foram libertos e lançados à própria sorte sem nenhuma indenização e lugar para morar. Mas a melhor maneira de o Brasil resolver essa questão talvez não seja a criação de cotas para separar os brasileiros por cores, uma vez que esse foi um dos problemas da escravidão e que gerou (e ainda gera) muito mal no mundo. Se o Brasil investir em políticas públicas e privadas para todos os seus cidadãos, priorizando oportunidades para os mais pobres, sem os devaneios ideológicos, promoverá igualdade entre negros, brancos e índios.
Ao pensar em escravidão, portanto, não enxergue somente um loiro de olhos azuis maltratando um negro. Muitos brancos também foram escravizados e viveram horrores. E tente ir um pouco mais longe, perceba que a escravidão ainda está vigente quando políticos, líderes sindicais, líderes religiosos e diversas entidades querem controlar a sua mente, dominá-lo e conduzi-lo para onde eles acham melhor. Procure observar se você também não escraviza o seu empregado, sua família e tantas outras pessoas, uma vez que a escravidão é multifacetada. Até por que nos últimos tempos a polarização tomou conta das pessoas a ponto de elas romperem relacionamentos por causa de pontos de vista diferentes. À semelhança de um capitão do mato, muitos exigiram o pensar igual, chicoteando as pessoas.
O Brasil tem vantagem sobre os americanos e europeus no combate ao racismo pelo fato de sua gente aceitar melhor a miscigenação. Se o país trilhar o caminho da prosperidade, da educação e do respeito, esse problema tem melhor condição de ser superado, uma vez que o povo brasileiro surgiu da mistura de povos e isso o faz distinto e lindo por natureza.
Célio Barcellos é escritor, blogueiro e estudante de Jornalismo.