As insuficiências da política caracterizam um fenômeno global. As causas, em suas múltiplas facetas, expõem fundas mudanças estruturais da sociedade, resultantes de novas dinâmicas humanas, econômicas, tecnológicas e culturais. Há, assim, um progressivo descasamento de perspectivas; as soluções teóricas não encontram ressonância prática; as lições soam obsoletas; a liberdade de pensar requer cadernos sem pauta.
No nervoso entrechoque de interesses, as instituições envelheceram, perdendo vitalidade; o tempo passou e o peso da idade parece cobrar sua fatura. Em época de automática responsividade digital, os morosos meios analógicos não servem mais. Os vendedores de lampião podem reclamar, mas a eletricidade está aí com lâmpadas de LED. Como, então, fazer a transição sem rupturas radicais? Seria isso possível ou estamos diante de ruínas inevitáveis?
Sabidamente, a urgência das necessidades traz consigo a infantil ansiedade por respostas categóricas. Na agonia da dúvida, o ser humano clama por certezas; na busca por segurança, vamos ao céu e voltamos à terra, criamos crenças, encontramos mitos, subimos em altares, fazemos dança da chuva e, também, escrevemos leis. E, na chegada à legalidade, nos deparamos com a mais mundana das tecnologias humanas: a política.
Exatamente por ser mundana e humana, a política é necessariamente imperfeita. Acerta e erra. É digna e indigna. É justa e honesta, mas também indecente e corrupta. Tem dias de brilho e admiração, com noites de frio e tristezas. A política, portanto, somos nós, com as mesmas virtudes, defeitos e infinitas possibilidades. Como bem disse a sabedoria invulgar de Raul Pilla, em letras de 1949, “é a política ao mesmo tempo a mais bela e a mais feia, a mais nobre e a mais desprezível das atividades humanas. Tanto mais desprezível e feia nas suas deformações, quanto mais nobre e bela na sua pureza originária”.
As linhas acima servem para mostrar que políticos fantasiados de deuses são falsos, pecando tanto à esquerda como à direita. Aliás, a democracia não precisa de heróis nem de divindades sagradas. No chão da vida, a democracia precisa simplesmente de pessoas que queiram fazer o bem e que não tenham medo de enfrentar aquilo que mal está. Afinal, é na coragem da ação virtuosa que a democracia se consolida como instrumento legítimo de realização política do povo.
Naturalmente, é ingenuidade pensar que não há confrontos e enfrentamentos políticos verticais. Sempre existiram, no mais das vezes, a portas fechadas. A sociedade em redes muda a lógica e escancara as janelas. Além de colocar os jogos em smartphones na mão de cada cidadão, a crítica caótica e desestruturada é retroalimentada por algoritmos de adestramento enviesado de blocos de opinião. No fim, tudo vira um grande negócio na busca de formação de maiorias eleitorais vencedoras.
A vontade do povo é, assim, silenciosamente manipulada, exaltando uma liberdade de expressão inexpressiva: xinga-se insistentemente inimigos em histriônicos grupos fechados de tacanha visão de mundo. Ironicamente, ao soltarmos o verbo, recaímos na prisão ideológica. A decadência da razão é a marca de um tempo presente que confunde falas estúpidas com direito à crítica. No fim, a dialética democrática é reduzida à insensatez desgovernada que, entre players de poder egocêntricos, fazem do povo um eterno desconhecido.
Sim, uma hora a ingratidão política pode cobrar faturas, transformando mansidão em fúria. Daí a importância de controlar a imaginação popular com narrativas fantasiosas. No mercado das ilusões, as redes sociais ofertam irrealidades de persuasão segmentada. Tal instrumentalização está só no começo. A torrente dos dados – gratuitamente fornecidos – tece a corda de uma potente dominação coletiva. E, pensando-nos livres, seremos escravos no teatro democrático de faz de contas.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.