A aprovação da Lei Muwaji, que busca o combate ao infanticídio em áreas indígenas, mostra um avanço, ainda que lento, na política indigenista brasileira e na preservação da vida do meu povo. Com a nova legislação, o indigenista que souber de alguma situação de risco de vida não só de crianças, mas também de adolescentes, mulheres e idosos, deve comunicar imediatamente as autoridades competentes. O que parecia óbvio – que o mais importante para o nosso povo são as nossas crianças – foi reconhecido pelo Poder Legislativo.
O esboço dessa lei foi escrito pelo líder indígena Eli Ticuna. Ele foi um dos personagens do documentário Quebrando o Silêncio, que produzi em 2009. Este filme foi o resultado de mais de três anos de pesquisa em aldeias de vários locais do Brasil. Quando eu era criança, meu pai me contava que em algumas aldeias, quando nasciam bebês gêmeos, filhos de mãe solteira ou deficientes físicos, esses inocentes eram enterrados vivos, quebrados ao meio ou abandonados na floresta. Como jornalista e indígena, mas principalmente como mãe, me senti instigada a conversar com as mulheres de vários povos indígenas sobre o infanticídio.
Não queremos que nossas aldeias sejam tratadas como um zoológico humano, como alguns antropólogos pensam
Descobri, em campo, que a maioria das mães indígenas não quer mais sacrificar nossas crianças porque entende que a nossa cultura é dinâmica. E que nós, povos indígenas, podemos evoluir como qualquer outro povo. No entanto, é mais barato para o governo brasileiro fechar os olhos para as mortes silenciosas na floresta, sob o pretexto da cultura, do que prover meios para um indiozinho que precise ir à cidade fazer hemodiálise duas vezes por semana, por exemplo.
Não queremos que nossas aldeias sejam tratadas como um zoológico humano, como alguns antropólogos pensam. Temos, sim, o direito de interagir com a sociedade brasileira, da qual fazemos parte, ainda que invisíveis para políticas públicas adequadas. Alguns curumins não chegam a fazer o primeiro aniversário. Isso precisa ser mudado. De acordo com dados do Ministério da Saúde, de cada mil índios nascidos em 2013, 43 morreram no primeiro ano de vida.
Por não aceitar esse destino e ver no tratamento médico a possibilidade de encontrar uma alternativa que não seja a morte, a indígena suruwahá Muwaji, mãe de uma menina com deficiência, iniciou o movimento para salvar a vida de sua pequena Iganani, que estava então condenada à morte em sua aldeia. A guerreira mãe teve garra e força própria para salvar sua filha, pois sempre lutou para salvar crianças lá dentro da sua aldeia, desde sua adolescência.
Vencemos no Legislativo. E o maior inimigo a ser vencido ainda, infelizmente, é o poder público brasileiro, que tem nos ferido de forma recorrente. Hakani Suruwahá, a menina que se tornou símbolo desta causa, foi enterrada viva e resgatada por uma casal de linguistas. Hoje, vive em autoexílio em uma ilha distante. Se Hakani, com 18 anos e falando inglês fluente, voltar ao Brasil, ela pode perder o direito de viver com os pais adotivos, ser devolvida à aldeia e condenada à morte.
Outra muralha a ser derrubada é a da censura. Meu documentário Quebrando o Silêncio foi censurado por uma liminar proferida pelo juiz Francisco Neves da Cunha, do TRF1. Dessa forma, o documentário, uma ferramenta que tem salvado vidas, não pode ser exibido nos sites das organizações que eram responsáveis por 90% das visualizações do filme. Somos mulheres indígenas guerreiras e não desistimos. Em meio à censura prévia, companheiras como Kamiru Kamaiurá e Anita Ticuna fazem um belo trabalho de conscientização nas aldeias.
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