A 10.ª edição do ranking da Economist Intelligence Unit (EIU) sobre “qualidade democrática” demonstrou como os brasileiros andam descrentes no voto e nas instituições como forma de reagir ao mal da corrupção. A queda da posição do Brasil – sete postos abaixo de sua melhor posição entre os anos de 2013 e 2015 – classifica-o como uma “democracia falha”, na qual a representatividade popular está contaminada pelos problemas de governança pública, de cultura política, de baixos índices de participação popular e de crise econômica e fiscal.

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Apesar da garantia de eleições livres e respeito às liberdades civis básicas, a “qualidade democrática” brasileira é constantemente posta em dúvida. O aparelho estatal repressivo funciona e consegue levar adiante investigações e processos como a Operação Lava Jato, que diagnostica apenas parte do problema.

A avaliação pessimista dos brasileiros não se resume a esse escândalo. A crise é mais abrangente. É política, econômica, moral, ainda levemente institucional e fruto da combinação de fatores que induziram o alto endividamento público, juros altos, queda da produção, desvalorização da moeda, desemprego, escassez de investimento e recessão.

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Ao lado da Lava Jato, o país sofre com uma economia em frangalhos, que retrocedeu em 2015 – os economistas esperam que encolha mais de 3% neste ano –, enquanto a própria peça orçamentária do governo para 2016 reflete a crise fiscal brasileira, com expectativa de queda da atividade econômica de 1,9% e dívida pública em alta para 71,1% do PIB, 12 pontos porcentuais acima do apurado em 2014.

A “qualidade democrática” brasileira é constantemente posta em dúvida

Essa crise repercute naturalmente nos setores público e privado, frustra receitas, investimentos, pagamento de despesas basilares como as folhas de pagamento; derruba a produtividade da indústria e a demanda por serviços; e sacrifica os lares brasileiros com o crescimento do desemprego, a alta carga tributária sobre o consumo e as perdas inflacionárias.

Claro que é preciso reconhecer um aspecto auspicioso relativo à punição de personagens considerados até então imunes à ação da repressão estatal. A Operação Mãos Limpas, realizada na Itália durante a década de 90, teve estreitas semelhanças com a nossa Lava Jato, ao desvendar extenso esquema de propinas e provocar a reformulação dos partidos políticos, permitindo o surgimento de novas forças de representação parlamentar, com maior espaço para a ética no trato da coisa pública.

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No entanto, as ações investigadas e punidas em operações como essas são apenas fagulhas da fogueira de desvios que lesam diariamente o patrimônio público e contam com a inoperância do sistema de repressão às fraudes e o sucateamento do melhor remédio contra os seus efeitos: as instituições de Estado responsáveis pela atividade preventiva e pedagógica de conformação do agir administrativo à lei, no curso da concepção, análise, planejamento e execução das políticas públicas.

O Brasil não pode ficar preso à ilusão de que se promove uma sociedade mais justa e otimista, ao menos primariamente, por obra exclusiva de investimentos no aparelho judicial e no Ministério Público. Como dita Barbosa Moreira, “é todo o edifício, desde as fundações, que para tanto precisa ser revisto e reformado”.

Instituições constitucionais como a Advocacia Pública, o controle interno e a polícia judiciária também precisam ser lembradas estrategicamente, respeitadas as competências de cada qual, para, no cotidiano da administração pública, reacender a fé dos brasileiros na democracia e permitir que todos os sistemas políticos, econômicos e sociais possam harmonicamente se renovar e expandir, incrementar a indústria e libertar o país da autofagia da corrupção.

Cristina Leitão é presidente da Associação dos Procuradores do Estado do Paraná (Apep). Marcello Terto e Silva é presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape).