O suspense desta vez já não poderia ser atribuído ao prudente procurador-geral Rodrigo Janot, mas ao rigoroso ministro do STF, relator da Operação Lava Jato que recebeu na última terça as cinco caixas com os 28 pedidos de abertura de inquérito. Aceitos, perdem o lacre de sigilo e os nomes neles implicados passam ao domínio público.
Enquanto o ministro Teori Zavascki não toca a sineta, convém recordar algo tão importante quanto o anúncio formal dos implicados nos escândalos. Em algum momento desta semana a cuidadosa tramitação processual sofreu inesperado sacolejo e os nomes dos presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, expoentes do agora endiabrado PMDB, apareceram claramente no noticiário. Como possíveis denunciados nos inquéritos, mas como conhecedores prévios do teor destes, o que explicaria as furiosas represálias do principal aliado contra um governo combalido e pego com a boca na botija.
O duplo vazamento põe em dúvida não apenas a qualidade da blindagem que deveria proteger a documentação, mas também revela a disposição dos operadores políticos do governo em enquadrar o parceiro, mesmo que escancarando uma acintosa intervenção em outro poder. Em outras palavras: o governo queria enquadrar o PMDB antes que chutasse o balde e acabou enquadrado por um partido que nunca escondeu seu principal projeto: assenhorar-se do poder, de preferência “numa boa”, sem estresse.
Com estresse ou sem estresse, com salamaleques ou punhais florentinos, começou a ruptura da frente PT-PMDB
Ao acusar Janot de lhe negar o direito de defender-se, o senador alagoano Renan Calheiros (ex-ministro da Justiça de FHC) abriu o jogo, confirmou o vazamento, revelou seu deficiente convívio com os princípios republicanos e, principalmente, o grau do seu envolvimento nas malfeitorias reveladas pela Operação Lava Jato.
Como a presidente Dilma Rousseff substituiu as metáforas futebolísticas do antecessor pela sabedoria dos ditados populares, conviria lembrar um deles: bom cabrito não berra. O carioca Eduardo Cunha, seu colega no comando do Legislativo, ofereceu uma variante – o bom malandro sabe a hora do pinote: de surpresa, visitou a recém-instalada CPI da Petrobras e elegantemente ofereceu-se a prestar aos colegas os necessários esclarecimentos.
Com estresse ou sem estresse, com salamaleques ou punhais florentinos, começou a ruptura da frente PT-PMDB. Funcionou plenamente ao longo dos dois mandatos de Lula e mais ainda no primeiro de Dilma, quando o presidente efetivo do PMDB, Michel Temer, foi seu vice. A reeleição, longe de consolidar a relação, só a enfraqueceu.
O PT vive inédita solidão, atingido duramente nos seus brios éticos pelos escândalos do mensalão e do petrolão, rigorosamente impotente. Menos vulnerável aos constrangimentos morais e agora dono inconteste do Poder Legislativo, o PMDB toma todas as iniciativas e está empurrando o ex-parceiro a aproximar-se do antigo rival, o odiado PSDB. Com fama de desorganizado e oportunista, interessado apenas em vantagens materiais e imediatas, começa a ficar claro que o flácido PMDB, filho do MDB oposicionista durante a ditadura, está exercitando a musculação e segue um roteiro rigoroso sem preocupar-se com a possibilidade de pequenos, médios ou grandes confrontos com o parceiro.
Raposas aparentemente desdentadas e amuadas de repente começam a exibir novas dentaduras e inesperado ânimo de lobos. Começam a fazer sentido algumas iniciativas do passado recente, entre elas a carta-testamento de José Sarney que entregava a Dilma a gloriosa tarefa de conduzir o país a uma nova experiência parlamentarista. Agora, 53 anos depois, com um partido revigorado e um projeto de poder, o PMDB oferece ao PT e ao governo Dilma a possibilidade de concluir o mandato sem sobressaltos.
As longas esperas podem ter serventia ao permitir como passatempo a lembrança de hipóteses que no corre-corre ficaram esquecidas.