| Foto: Igor Rodrigues/Unsplash
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Cultivar espiritualidade em filho adolescente sempre foi desafiador. Até pais espiritualizados encontram dificuldade de atraí-los para o transcendente, além da matéria e do imediato. Tempo em que tanto se fala e se aponta o dedo à atual “geração doente”, me pergunto: quão voltados às necessidades espirituais de nossos adolescentes estamos como pais e responsáveis pela formação de um ser saudável para o mundo?

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Filha de mãe religiosa e atuante, hoje entendo o vital papel de “semeadora” exercido na família. Mesmo sem garantias de que cresceríamos na fé, minha mãe perseverou no exemplo atestando o valor da espiritualidade na formação de todo ser humano. Ainda que imatura e alheia à importância do exercício da espiritualidade àquela época adolescente, não me restam dúvidas de que, a partir das sementes por ela lançadas em meu coração, hoje sou sustentada por raízes fortes de onde frutos são gerados e perpetuados no mundo de geração em geração.

Costumava escutá-la dizer: “Nutrir da alma é construir alicerce para a vida”. Ainda não entendia isso e, levada a contragosto a ritos religiosos, conhecia muito pouco de tudo, mas a contentava participando minimamente do básico. Recebi educação religiosa, estudei em escola de freiras e, no automático e, ainda assim, criticava a prática em tudo relacionado ao que não via.

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Imatura e desinteressada, me afastava enquanto crescia, atitude infelizmente comum na fase, e que continuamente nos desafia a novas tentativas. Fato é que fui priorizando o material a ponto de deixar o espiritual em segundo plano; quiçá, terceiro, quarto... passei a viver no mundo e ele, em mim.

Quando me tornei mãe, ganhei uma espécie de “cutucada" da vida: uma vez responsável por formar outro ser, me expandi para ser mais do que só eu mesma. A missão era demasiadamente grande e logo me cobrou humildade – que não tinha – para encarar e aceitar minhas fragilidades humanas; limitações de uma falsa autossuficiência escancaradas, finalmente entendi que as tais sementes do passado tinham, sim, sua importância e lugar na minha vida.

Conhecer o caminho da espiritualidade fez toda a diferença naquele período de minha vida. Retomá-lo foi não só vital, foi transformador. Mais do que prover a família de bens materiais, dei-me conta de que ser mãe exige também assumir papel de semeadora.

Um dia, filho bem que tentou se explicar: “Saco, mãe! Entendo e até acho legal ter fé. Só não sinto o mesmo que você... acho... ainda não estou na mesma página que você”. Entendi sua fraca argumentação e até me soou familiar: reconheci-me nele na mesma idade. Mas também vi certa vantagem em relação à minha atitude no passado: meu filho não criticou, tampouco se rebelou contra as sementes que lançava e isso saltou aos meus olhos a ponto de, por ora, me contentar com o que vinha sendo cultivado.

De muito falar mal – e do mau – desta geração, percebi minha participação nessa história. Hoje mãe de dois adolescentes, enxergo melhor – e mais – quão fundamental é formar outro ser de corpo e também de alma. Enquanto restringirmos nossa missão de formar outro ser ao âmbito material, continuaremos nos ocupando de apontar erros e deixando que o mundo dê conta de nossos filhos. E não se espante: ele não dará conta.

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Somos seres únicos e complexos em um mundo reducionista e progressivamente materialista. Nossa humanidade frágil e limitada, sem o alicerce da espiritualidade bem construída, vira fardo pesado; pautada em si mesma, a vida não tem sentido. Nutrir o adolescente na espiritualidade não lhes garantirá a perfeição humana: mostrará ao filho que a vida é missão de dar bons frutos não importam as circunstâncias – o que só homens e mulheres de alma alicerçada e fortalecida na fé conseguem perseverar e cumprir.

Foi assim que filho, outro dia, me surpreendeu quando já saía: “Mãe, espera! Vou rezar contigo”. Eis que vi a semente começar a germinar. Semear não frustra; mostra seu poder de transformar o indivíduo em ser integral. Entre rabugices, reclamações e bufadas, no tempo certo, dá frutos. A nós, pais de adolescente, o dever é de perseverar em diligente cultivo por toda a vida. O resultado só conhecerei no futuro, mas uma certeza tenho: o terreno, diferente do que muito se diz por aí, é fértil e urge agricultores competentes que na prática perene, atenta e cuidadosa assumam seu compromisso de formar adulto saudável por completo: de corpo e também alma.

Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]