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A esquerda exige certas características: compaixão com os pobres, os perseguidos, os excluídos e vítimas de preconceitos; compromisso com o avanço técnico a serviço do povo e da humanidade; sentimento nacional integrado na civilização universal; busca da paz entre povos e dentro de cada povo; mas exige também respeito à verdade dos fatos.

O filósofo Marx formulou o conceito de que o pensamento de esquerda deveria passar pela percepção da realidade e não por crenças preestabelecidas. Por isso, qualquer analista que ainda lembre algumas das bases da filosofia e, especialmente, da epistemologia formulada por Marx fica surpreso com a infantilidade com que alguns militantes se dizem de esquerda, mas tomam posições sem considerar os fatos reais. Preferem falar com base em narrativas criadas, conscientemente ou por marqueteiros, para conspurcar o ambiente intelectual, sem compromisso com a verdade. Perdem com isso até mesmo o argumento correto que possam ter, e terminam atropelados pela verdade.

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Considerar o presidente Michel Temer como político de direita é uma opinião; logo, pode ser aceita. Mas precisam dizer que Dilma, Lula e toda a esquerda votaram nele, mas hoje o criticam. Estavam iludidos, não leram sua história ou enganaram os eleitores. Dizer que Temer deu golpe antidemocrático não corresponde à verdade. Todos os indicadores democráticos estão sólidos, inclusive a eleição ocorrida no dia 2 de outubro e que levou a uma fragorosa derrota da esquerda ao redor do PT. Ao usar a mentira do golpe para o impeachment de 2016, a esquerda termina legitimando o golpe de 1964 e todas as suas consequências: ao fazer isso, deixa de ser esquerda e vira “exquerda”.

É lamentável que parte da esquerda caia na cegueira de preconceitos que a impedem de ver o que é melhor

Ao longo de décadas, a esquerda fugiu ao debate ideológico de optar por quais as prioridades para o uso dos recursos públicos. Apoiar mais gastos para educação, saúde, salário mínimo e saneamento; e ao mesmo tempo garantir salários de marajás, subsídios à indústria, deixando o país sem os serviços públicos de qualidade e as finanças públicas falidas, ou continuar com a velha mentira da inflação: o governo dispõe de quatro, mas gasta cinco, desvalorizando a moeda e gerando inflação. É uma conta que corrompe a aritmética e ilude a sociedade.

A reação à PEC do Teto de Gastos, que é uma PEC do óbvio – não se pode gastar mais do que se arrecada quando há mais para endividar-se –, também é uma recusa de ver a verdade da própria aritmética; uma visão, portanto, direitista ou “exquerdista”. É usar argumentos falsos que não combinam com a postura comprometida com a verdade, que deve caracterizar a esquerda. Negar a necessidade de definir um teto para os gastos é optar pela mentira de que os recursos públicos são ilimitados. Agora será preciso optar por prioridades. Também é falsa a ideia de que haverá redução nos gastos com educação.

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O teto se impõe sobre o conjunto, sendo possível elevar a verba da educação, desde que tenhamos força política para indicar de onde tirar recursos. E, se não tivermos, melhor não nos enganarmos aumentando salário de professor com dinheiro falso, da inflação. Pela primeira vez, vamos identificar os defensores da educação, capazes de lutar pela redução de custos em outros setores, eliminando desperdícios e gastos que não são prioritários.

Da mesma forma, é surpreendente a falta de compromisso com a verdade ao denunciarem a proposta de autorização à Petrobras para não investir na exploração de todos os poços de petróleo do pré-sal. Ao obrigar a Petrobras, sem condições financeiras, a lei atual leva o Brasil a não explorar o petróleo: perder receita, royalties para a educação e impostos, além de impedir a criação de empregos. Com a nova regra, quando a Petrobras avaliar que não é do seu interesse atuar sozinha, ela não será obrigada, e poderá explorar o petróleo em sociedade com outras empresas brasileiras ou estrangeiras, retomando emprego em cidades, gerando renda, arrecadação de impostos e royalties para financiar a educação.

É lamentável que parte da esquerda, por preconceito e corporativismo, caia na cegueira de preconceitos que a impedem de ver o que é melhor para o Brasil e para o povo. E ainda se considera de esquerda, embora presa a mitos e reacionarismos. Para ser de esquerda, é preciso ter utopia para o futuro, é preciso ver a realidade do presente como ela é. E quem não tem utopia e nem capacidade de ver a realidade não é de esquerda, é de “exquerda”.

Cristovam Buarque é professor emérito da UnB e senador (PPS-DF).