De acordo com o Censo 2000, pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida representam 14,5% da população brasileira. É uma parcela grande, mas que precisa levantar a voz para ter seus direitos reconhecidos
Qual a medida para a tolerância e o respeito? Se o respeito é o mínimo necessário para convivermos em sociedade, quanto mais o tivermos, melhor para nós e para os outros. Certo? A regra é aquela: você respeita o que é meu (meu espaço, meus direitos, até as minhas ideias) e eu respeito o que é seu. Quanto melhor preservarmos essa relação, mais fácil fica conviver.
Logicamente, a convivência em sociedade depende de muito mais do que uma simples regra com essa. No entanto, quando nem essa relação é possível, fica difícil imaginar se respeito e tolerância são mesmo possíveis.
No mês passado, um episódio envolvendo uma deficiente física em um estacionamento de supermercado de Curitiba colocou, na ordem do dia, essa questão. Resumidamente: uma mulher estacionou seu carro em uma vaga destinada para deficientes. Uma cadeirante estava no local e observou a cena. Ela quis alertar a motorista, que a ignorou e entrou no supermercado. Ao voltar, a cadeirante ainda estava ali. Ela fez uma nova observação para a motorista que, dessa vez, agrediu verbalmente a deficiente e, por pouco, não a atacou fisicamente. O supermercado não se posicionou a respeito, nem quanto à cliente que estacionou indevidamente, nem sobre o incidente de quase violência no seu estacionamento. A Diretoria de Trânsito de Curitiba foi acionada, mas representantes do órgão só apareceram uma hora depois de todo o incidente.
Se imaginarmos que a história toda acabou sem uma solução, como tantas outras, estaremos equivocados. A indignação da cadeirante ganhou nome e um rosto: Mirella Prosdócimo, empresária curitibana, sócia de uma empresa que presta consultoria para garantir a inclusão de pessoas com deficiência e tetraplégica desde os 17 anos. Mirella arregimentou um apoio que não parou de crescer desde então e resultou no movimento "Esta vaga não é sua nem por um minuto", que pretende esclarecer questões ligadas à inclusão, levando informações para o público. Um exemplo: as vagas destinadas aos deficientes são maiores do que as vagas comuns para a movimentação de uma cadeira de rodas de dentro para fora do carro. Elas também estão próximas às entradas e saídas dos estabelecimentos para facilitar o deslocamento das pessoas com deficiência.
Parece lógico que essas medidas sejam adotadas e respeitadas, mas nem sempre foi assim. A obrigatoriedade de adaptações de acessibilidade para deficientes é uma realidade que tem pouco mais de dez anos quando o governo federal promulgou a Lei n.º 10.098, que estabelece normas gerais e critérios para a promoção da acessibilidade no espaço urbano, locais coletivos e nos estabelecimentos comerciais.
Ao que parece, se a regra do mínimo comum o que vale para mim, vale para você já é difícil entre pessoas iguais, quando há uma relação de diferença, entre uma pessoa "normal" e um deficiente, por exemplo, ela tende a desaparecer. É o puro descaso.
De acordo com o Censo 2000, pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida representam 14,5% da população brasileira. É uma parcela grande, mas que precisa levantar a voz para ter seus direitos reconhecidos e o respeito dos outros 85,5% da população. O "Esta vaga não é sua nem por um minuto" traz essa percepção e tem conquistado centenas de adeptos na internet. Isso prova que, se não todas, muitas pessoas querem uma nova conduta coletiva que seja mais respeitosa, responsável, educada e tolerante.
O episódio com Mirella é mais do que apenas um exemplo de descaso. É também a comprovação de que os deficientes físicos têm uma capacidade imensa de contribuir com a sociedade, diferente do que muitos possam pensar, pois em pouco mais de duas semanas ela foi capaz de criar um movimento social em torno desta causa. Fez com que a sociedade olhasse para um problema que, talvez, não tivesse sido percebido em sua complexidade antes. O movimento encabeçado por ela é uma excelente chance de todos evoluirmos como cidadãos.
Maurício Ramos é publicitário.
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