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O boquirroto – ou boca-rota – Hugo Chávez não costuma pensar antes de falar. Aliás, não costuma pensar, fala apenas pela compulsão de abrir a boca e emitir sons. Não muito diferente do impagável Cantinflas, criação do cômico mexicano Mário Moreno, inspirada na parlapatice latino-americana sem compromisso com o valor e o sentido das palavras.

Como o caudilho venezuelano não tem noção nem apreço pela organização do estado democrático, ignora que o Senado representa o conjunto federativo. Ofender o Senado brasileiro (ainda que seu presidente esteja sob suspeita) é uma afronta ao aparelho político que representa a nação brasileira. Acostumado a amordaçar os dissidentes, Chávez disse que nossa Câmara Alta age como papagaio do Congresso americano ao condenar o fim da concessão à RCTV.

O governo reagiu prontamente, pediu explicações ao embaixador venezuelano, mas nosso problema não é Chávez nem seu folclórico pupilo Evo Morales. Nosso problema somos nós mesmos – a imagem que neste momento estamos emitindo aos quatro cantos do mundo, aos quatro cantos do país, aos quatro cantos da sociedade e, sobretudo, ao ponto mais recôndito da alma cidadã.

Apesar do real forte, da animação do comércio, apesar de alguns fundamentos econômicos animadores e das formidáveis promessas do PAC, estamos assistindo ao pertinaz desmonte do conjunto de indicadores de segurança que determinam a crença ou a descrença, o bem-estar ou o mal-estar, a esperança ou a desesperança.

O problema é moral, é político, é institucional, é singular, é plural, é espiritual e administrativo. O apagão aéreo é uma aberração que já dura oito meses, jamais será efetivamente desvendada e só tende agravar-se nos próximos meses. Mas a greve de dois dias dos médicos-peritos do INSS em protesto contra o assassinato de um colega por um psicopata em Minas, revela o delírio reivindicatório dos chamados "movimentos sociais", incapazes de discernir o justo do injusto, as vítimas e os vilões.

A captura de quatro pára-quedistas aliciados por uma facção criminosa para combater outras facções numa favela carioca não vai produzir manchetes, mas é um indicador muito seguro da sofisticação alcançada pelo narco-terrorismo. Como nas estatísticas sobre ratazanas visíveis, se quatro apareceram, outros quarenta devem estar escondidos.

Portador de um sobrenome reluzente, o prolífico filósofo é convidado para ser ministro do Futuro e, antes mesmo de tomar posse, revela-se reles lobista – isso não é piada, é tragédia. O presidente católico queria fazer um agrado ao seu vice, igualmente católico, que por sua vez queria fazer um agrado ao seu partido – dominado pelos evangélicos. Esta é uma amostra precisa do estado do nosso laicismo, do rigor com que são escolhidos os dirigentes do país e da qualificação moral das elites intelectuais.

A Polícia Federal quer impor-se como paradigma de competência e decência, é o seu dever: preparou uma elaborada ofensiva para a captura de fraudadores nos mais altos escalões da República, batizou-a de Operação Navalha e acabou navalhada duas vezes: entre os denunciados havia altos funcionários da própria Polícia Federal e, no dia seguinte, fica-se sabendo que a denúncia foi um equívoco. Em qual navalha confiar doravante?

A mais importante publicação semanal do país publica uma matéria de capa onde acusa o presidente do Senado Federal de prevaricação e negócios escusos com uma empreiteira. Nada de novo, a corrupção já derrubou até um presidente da República. Mas não se apresentam provas, nem indícios ou evidências, apenas declarações do advogado de uma ex-namorada do senador insatisfeita com a pensão alimentícia determinada pela Justiça para a filha que tiveram. País paralisado, mídia babando de prazer com as revelações sobre o romance clandestino, de repente evidencia-se que o cidadão sobressaltado-desanimado-envergonhado não tem a quem recorrer. Essa é uma situação caracteriza o estado de atenção. A fase seguinte pode ser irreversível.

Alberto Dines é jornalista.

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