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Nos últimos meses, temos observado juristas da esquerda brasileira verbalizando em seus discursos o termo Estado de Direito Democrático Social, tergiversando o que está posto no artigo 1º de nossa Constituição, a qual consagra o Estado Democrático de Direito. Trago exemplos empíricos, com as falas de José Eduardo Cardozo, filiado ao Partido dos Trabalhadores, ex-ministro da Justiça, ex-advogado-geral da União, do governo Dilma Rousseff e de Jorge Messias, atual advogado-geral da União, ambos discursando no Congresso Brasileiro de Procuradores Municipais, no dia 6 de dezembro de 2024.
Destaco a fala de Cardozo, que disse em parte de seu discurso que “o neoliberalismo, portanto, é uma das grandes ameaças. Nós não percebemos, ao Estado de Direito Democrático Social. Ele corrói o nosso pensamento [...] Essa situação, de ataque ao Estado de Direito Democrático Social, atinge a advocacia, porque o pensamento autoritário que flui disso, coloca o advogado numa posição de não defesa das estruturas, daquilo que ele jurou cumprir quando recebeu a sua carteira da OAB”.
Ora, pelo menos até o momento em que esse artigo é escrito, não houve registro da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, portanto, o artigo 1º de nossa Constituição não sofreu alterações e permanece assim escrito: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político”.
Antes mesmo de aprofundar na análise das diferenças entre um Estado Democrático de Direito e um Estado de Direito Democrático, é preciso denunciar que a República Federativa do Brasil não é constituída em Estado de Direito Democrático Social, como os expoentes da esquerda estão incutindo nas mentes de seus ouvintes como se fosse o mesmo que Estado Democrático de Direito. Trata-se da verbalização de uma manobra ditatorial que caminha a pleno vapor e com o amparo do Supremo Tribunal Federal, principalmente.
Esse tal Estado de Direito Democrático Social é um grande sofisma da esquerda, no sentido de enganar a população com iniciativas de aparente bondade, mas que se apresenta como a introdução de uma ditadura socialista galopante no Brasil
Ademais, é de se destacar que a corrosão da nação decorre, justamente, da sanha ditatorial de reescreverem as regras constitucionais de forma ilegítima, colocando toda a sociedade de joelhos diante daquilo que alguns iluminados dizem ser o tal direito democrático. Diferente do Estado Democrático de Direito, que tem os seus fundamentos bem identificados na Constituição de 1988, o Estado de Direito Democrático Social está fundado naquilo que pessoas não legitimadas pelos cidadãos disserem que é democracia.
Os arautos da “nova democracia” esquecem que o Estado Democrático de Direito, para além da legalidade, exige que essa legalidade seja estabelecida pela legitimidade das decisões e essa legitimidade deve ser respaldada pela vontade do povo. Portanto, a expressão Estado de Direito Democrático Social atenta contra a escolha soberana de como nossa república escolheu estar constituída, em Estado Democrático de Direito, que jamais poderá ser alterada sem a chancela dos legitimados pelo povo.
É assustador observar como a alteração do artigo 1º da nossa constituição tem ocorrido de forma prática e o tal Estado de Direito Democrático já está vigente no nosso país. Vamos aos exemplos. A tão festejada separação dos poderes não vale para o Supremo Tribunal Federal na medida em que tem sido rotineiramente provocado, em geral, por movimentos e partidos de esquerda, a interferir nos outros poderes. Em 2020 houve uma interferência aprofundada do Poder Judiciário no Poder Executivo, por meio da ADPF 709/DF, tendo como uma das partes a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que sequer possui inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ).
Na visão do ministro Roberto Barroso, relator do caso, o art. 232, da Constituição serve de subsídio para admitir que a APIB ingresse em juízo, mas vejamos o que diz o art. 232: “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”.
No entanto, juridicamente, uma organização precisa ter elementos mínimos para a sua existência. Nos próprios documentos que acompanham a petição inicial da ADPF 709/DF, não foi encontrado o estatuto da APIB, tampouco seu CNPJ. Ou seja, juridicamente, principalmente para efeitos processuais, não seria possível admitir que a APIB ingressasse em juízo, pois lhe faltam os requisitos legais previstos no art. 319, do Código de Processo Civil.
No caso da interferência do STF nas emendas parlamentares, também vimos uma atuação de total interferência do STF no parlamento. Sem qualquer juízo de valor sobre a pertinência das tais emendas estarem sujeitas critérios políticos, o fato é que sua previsão é constitucional, constante do art. 165 da Carta e reflete a vontade do legislador legitimamente autorizado pelo voto.
Sem dúvida, o caso mais emblemático dos últimos tempos é o que abarca as decisões no bojo dos acontecimentos do 8 de janeiro de 2023. Os episódios que seguem até hoje merecem vários livros, mas aqui, me aterei apenas ao fato de que nos referidos processos, a mesma pessoa é vítima, promotor, perito e juiz, fato que, por si, contamina todos os julgamentos, mas o STF entende que não há vícios processuais intransponíveis.
E para não ficarmos só nas ações do Poder Judiciário, engendradas para reescreverem as regras constitucionais postas com a finalidade de se estabelecer um novo direito ao arbítrio do sistema da vez, vejamos a última sanha de um senador, que apresentou o Projeto de Lei 4.629/2024. Na proposta, o senador Randolfe Rodrigues pretendia estabelecer que, na renovação de dois terços do Senado Federal, cada eleitor disporá de um voto, sendo eleitos os dois candidatos mais bem votados, no entanto, após ampla reprovação pela imprensa, resolveu retirar o malfadado projeto.
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Em sua justificativa, o senador não teve a menor cerimônia em chamar o eleitor de desleixado ao escolher o segundo senador e, por conseguinte, colocou em, pelo menos 1 terço de seus pares no Senado Federal, a pecha de senadores de segunda classe, pois não foram escolhidos – em sua visão – de forma consciente pelos eleitores, vejamos trecho de sua justificativa:
Em primeiro lugar, o eleitor é psicologicamente condicionado a fazer escolhas singulares. Na disputa de todos os demais cargos eletivos, o eleitor vota em um único candidato. É ilusório acreditar que, tendo de votar em dois candidatos a senador, ele dedique o mesmo grau de atenção e cuidado naquela que constitui a sua segunda escolha. E, sem meias palavras, é disto que se trata: o eleitor costuma ter preferência por um candidato, propiciando, na disputa por duas vagas ao Senado, o fenômeno do voto ordinal subjetivo. O segundo voto muitas vezes é dado sem maior reflexão e na esteira do primeiro. Com isso, é possível a um candidato que seria a primeira opção de um número mais reduzido de eleitores receber a segunda maior votação, graças aos votos que lhe foram dados em segunda opção. Em nosso entendimento, essa é uma evidente distorção do atual modelo.
Todas as iniciativas aqui mencionadas, legislativa e judiciais, apontam para o estabelecimento do tal Estado de Direito Democrático Social e esse Direito é aquele que o grupo político de esquerda entende que seja democrático. Por este mesmo motivo, a livre manifestação de opinião, pensamento, a própria imunidade parlamentar, são questionáveis – na visão dos defensores dessa “nova democracia” e não se fala mais em Estado Democrático de Direito, tal como está consagrado no art. 1º da Constituição.
Esse tal Estado de Direito Democrático Social é um grande sofisma da esquerda, no sentido de enganar a população com iniciativas de aparente bondade, mas que se apresenta como a introdução de uma ditadura socialista galopante no Brasil. Que conheçamos a verdade e ela nos liberte.
Marco Vinicius Pereira de Carvalho é procurador municipal e membro do Instituto dos Advogados de Santa Catarina.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos