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Complexo do Alemão não é nome de uma disfunção psicológica que aflige povos germânicos, também não chega a ser algo obscuro, de difícil compreensão. Foi palco da maior operação policial de que se tem notícia, verdadeira batalha num conflito com características de guerra civil e um saldo de 13 mortos, nem todos criminosos.

Deveria chamar-se Complexo do Polonês porque se trata de uma imensa área situada na antiga zona rural do Rio, em torno da Igreja da Penha, comprada nos anos 20 do século passado por um imigrante polonês (conforme revelou "O Globo" nesta sexta-feira). A proximidade de muitas indústrias e falta de um planejamento urbano na antiga Cidade Maravilhosa provocou a ocupação desordenada dos morros, uma sucessão favelas e o seu entrelaçamento numa imensa terra de ninguém.

Como justificativa para a ação policial, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, mencionou a existência de um estado paralelo no Rio de Janeiro estimulado pela leniência dos governos anteriores e que precisa ser enfrentado com determinação sob pena de suplantar o estado legal. Convém registrar que a participação do então governador Leonel Brizola para a criação deste vazio institucional não foi descaso, mas opção política.

O estado paralelo também existe em S. Paulo, talvez mais poderoso e certamente mais "moderno" porque não se inspira na superada guerra de guerrilhas (que visa a conquista de territórios), mas no esquema tático do terrorismo contemporâneo: estocadas agressivas, desmoralizantes, seguidas de recuos e desaparições ainda mais perturbadoras.

A figura do estado paralelo é apenas retórica porque pressupõe a existência de um antípoda, um estado organizado, sob o império da lei. Este Estado de Direito, no entanto, está sendo aviltado, degradado, corrompido e desacreditado diariamente por aqueles que deveriam ser seus guardiões ou pelo menos seus zeladores. As sucessivas operações da Polícia Federal acompanhadas pelo Ministério Público escancaram um estado perverso e malicioso que pisoteia o Direito e despreza o princípio da isonomia, pedra fundamental do regime democrático.

O circo senatorial instalado na Praça dos Três Poderes não pode ser visto tão-somente como deboche legislativo ou palhaçada política. Com o pretexto de preservar uma pífia coalizão política – que passados sete meses sequer deu um passo à frente, tantas são as exigências por cargos e verbas – o governo, o partido do governo e o seu principal aliado, o PMDB, se acumpliciaram na mais ridícula, patética e ruinosa operação de acobertamento de ilícitos jamais vista desde o fim da ditadura.

Renan Calheiros deveria ter se licenciado há um mês, em seguida às denúncias da ex-namorada, agora designada como "Musa do Escândalo". Ao agarrar-se de forma tão ostensiva e – por que não usar a palavra apropriada? – de forma tão indecente, à presidência do fórum que deve julgá-lo, o senador coloca-se imediatamente sob suspeita. Não confia na sua inocência, nem no senso de justiça dos pares ou solidariedade dos aliados.

Compreendem-se as mágoas do presidente Lula com a Polícia Federal, o Ministério Público e a imprensa, compreende-se o comportamento da sua principal auxiliar, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, que por disciplina e não por convicção, empresta o seu passado como militante da resistência à ditadura para duvidar da legitimidade dos protestos daqueles que se revoltam com a degradação do Legislativo.

Incompreensível é esta miopia capaz de identificar um estado paralelo instalado nos desvãos do Estado de Direito, mas incapaz de perceber o triunfo da moral paralela que hoje rege a vida e os valores do Estado nacional.

Alberto Dines é jornalista.

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