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A tragédia na boate Kiss completa hoje três meses e deixou de ser pauta diária de jornais e revistas. Passadas a comoção e a indignação iniciais, o fato deve ensejar reflexões e ações para que esse tipo de acontecimento não volte a se repetir em nosso país.

Parece haver um consenso razoável de que não se tratou de uma fatalidade ou caso fortuito. Ou seja, há responsabilidades a serem apuradas pela morte de 240 vítimas, em sua maioria jovens e estudantes. Também é previsível – e, de certa forma, esperado – que os donos da boate e os membros da banda Gurizada Fandangueira tenham certo grau de responsabilidade nos âmbitos criminal e civil (dois sócios e dois músicos estão entre os 16 indiciados) – nesta última, com bastante limitação, porque o montante de uma eventual indenização aos familiares dos mortos e feridos é de grandiosa dimensão e o patrimônio dos donos da boate e da banda não deve ser suficiente para isso, a não ser que o estado do Rio Grande do Sul e a prefeitura de Santa Maria sejam eventualmente responsabilizados.

A discussão que também deve ser feita é sobre o papel do Estado neste caso – Estado, aqui, entendido como União, estados federados, distrito federal e municípios. Ora, pode-se observar a atuação e, eventualmente, omissão de dois entes representados por seus agentes públicos: a prefeitura de Santa Maria e o Corpo de Bombeiros, vinculado ao governo do estado do Rio Grande do Sul.

Ao município compete legislar sobre assuntos de interesse local. A descentralização para municípios das atividades da administração pública é bastante interessante como regra geral para propiciar maior eficiência e eficácia às ações públicas, mas nesse caso é possível que municípios de menor porte tenham dificuldade para legislar sobre o assunto. Lembramos que o Brasil apresenta mais de 5 mil municípios com diferentes realidades. Talvez nessa questão fosse mais prudente apresentar legislação federal, observando padrões gerais internacionais, com requisitos mínimos de segurança a serem cumpridos pelos estabelecimentos, procurando, assim, preservar a saúde e integridade dos seus frequentadores. A legislação nacional poderia ser complementada por estados e pelos municípios no que lhes coubesse.

Em relação ao Corpo de Bombeiros, chamou a atenção a declaração do seu então comandante, afirmando que a boate ainda não tinha sido novamente avaliada pois havia uma demanda de 2 mil pedidos de alvará represados. Ora, essa fiscalização decorre do poder de polícia estatal e a taxa cobrada é justamente para viabilizar esse serviço. Se o órgão em questão não consegue exercer seu poder de polícia efetivamente, há algum problema de gerência ou gestão. É dever do Estado fiscalizar e garantir a integridade dos seus cidadãos.

Definindo mais claramente as regras e padrões mínimos de segurança em nosso país e garantindo sua efetiva fiscalização pelos órgãos responsáveis, poderemos evitar que tragédias como a da boate Kiss voltem a ocorrer. Talvez essa seja uma das possíveis homenagens às vítimas dessa lamentável tragédia e a seus familiares.

Christian Mendez Alcantara, doutor em Direito, é coordenador do curso de Gestão Pública do Sept/UFPR.

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