Os políticos brasileiros estão endividados com os eleitores, sem bússola para o futuro, sitiados pela população e indiferentes diante da indignação. Endividados pelo passivo acumulado por décadas de descaso com os interesses do povo, por ações, omissões ou incompetência. Depois de mais de 100 anos de República, construímos um país rico na renda nacional, mas pobre na renda per capita e injusto na sua distribuição; dividido entre privilegiados e excluídos; ineficiente em seus serviços públicos, como saúde e transporte; atrasado na educação de suas crianças; um país violento, onde 100 mil compatriotas morrem por ano na violência das ruas, assaltos ou acidentes de trânsito. E, não menos grave, uma imensa dívida financeira e moral pelo desvio de bilhões de reais drenados pela corrupção.
Quase todos os dias as manchetes de jornais mostram pessoas presas, membros de verdadeiras quadrilhas especializadas em desviar recursos públicos para seus interesses particulares, envolvendo políticos, servidores públicos, muita corrupção e até policiais, além de doleiros. Enquanto isso, os três poderes assistem a tudo de forma passiva, sem dotar o Estado de mecanismos que inibam a corrupção e impeçam os honestos que queiram se transformar em corruptos de roubar. Assim, cria-se mais uma dívida.
A dívida vem da insensibilidade social e ética que leva à corrupção nas prioridades da política e no comportamento dos políticos.
A população percebeu esta dívida, indignou-se e foi às ruas cobrando o passivo de décadas, sobretudo dos governos mais recentes, que prometeram pagar a dívida dos anteriores. Esta indignação mantém os políticos sitiados, metafórica e literalmente, pela desconfiança, pelo desprezo, pela ocupação de prédios e ruas. Isso não teria sido possível sem a autonomia das pessoas e movimentos sociais que não precisam mais de líder, partido, sindicato, jornal, rádio ou televisão. Com a democratização propiciada pela internet, a população, especialmente a jovem, é capaz de fazer uma guerrilha cibernética que ocupe pontos estratégicos e inviabilize o bom funcionamento da sociedade. A dívida e a indignação, por meio da internet, sitiaram os políticos.
Isso seria menos grave se, diante deste quadro, os políticos tivessem um rumo a apontar, em direção ao futuro distante e ao atendimento das reivindicações imediatas. Mas, além de endividados e sitiados, estão perplexos, desarvorados, sem bússola, desbussolados. Percebe-se que o rumo do crescimento econômico não é sustentável ecologicamente, não satisfaz o bem-estar da população, nem engana mais a consciência da opinião pública; as propostas utópicas de direita ou de esquerda faliram; a democracia passa imagem de corrupção; as demandas cresceram e os recursos fiscais ficaram insuficientes.
Esse quadro assustador ainda poderia merecer algum otimismo se, apesar de endividados, sitiados e desbussolados, os líderes não estivessem indiferentes. Mas a sensação é de que há uma total insensibilidade dos que fazem a política em relação à dimensão do que acontece nas ruas. Cada manifestação é vista como única, de grupos restritos em ações isoladas; não se percebe que há uma dinâmica e uma lógica, com base em profunda raiva e instrumentos mobilizadores de extrema eficiência.
O maior problema, talvez, é que, além de endividados, desbussolados, sitiados e indiferentes, não vemos o tamanho, nem as causas, nem a força da indignação. Estamos cegos.
Cristovam Buarque, professor da UnB, é senador (PDT-DF).
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