A paisagem exuberante contrasta com os riscos enfrentados por quem trafega pela estrada estreita, sinuosa, de pavimentação precária em quase toda extensão. E tome caminhões. Um, dois, dez, de todo tamanho e finalidade, que, junto de automóveis, pedestres, veículos escolares, ambulâncias, bicicletas, motocicletas, colheitadeiras, tratores, animais disputam espaço na pista. Afinal, todos precisam usar a única estrada pavimentada da região, cuja largura sequer acomoda quem vai e quem vem. O direito de ir e vir com segurança se rende a um recuo aqui, outro ali; para a esquerda, para a direita. Às vezes é a vegetação que impede a manobra; outra vez é uma ponte estreita, uma placa de sinalização ou a geografia que se impõe: e tome ladeira abaixo de um lado e morro acima de outro. Localizada em Guarapuava – município importante da região centro do Paraná – a Estrada Municipal Vereador Benedito de Paula Louro, ou apenas Estrada do Guairacá, com seus mais de 50 km, reserva uma surpresa a cada curva, para o bem ou para o mal.
A principal via de acesso entre um distrito e a área urbana do município leva também ao Salto São Francisco. Localizado no coração do Parque Ambiental São Francisco da Boa Esperança, a queda d´água com 196 metros de beleza exuberante, incrustrada na Mata Atlântica com remanescente de Araucárias, atrai visitantes de todas as partes do país e até do exterior – um enorme potencial turístico que carece de investimentos. Com população estimada em cerca de 184 mil habitantes (IBGE, 2021), o maior município do Paraná em extensão territorial, com 3.168,087 km² e densidade demográfica de 53,68 hab/km², Guarapuava registrou, em 2020, PIB per capita de R$ 41.146,84 – o quarto maior da região. Criado em 1947, pela Lei Estadual 02, o Distrito do Guairacá abriga parte da população rural do município. Localizado a cerca de 45 km da área urbana, a população local vive basicamente da produção agropecuária e da prestação de serviços para empresas de extração comercial de madeira.
A população votante é constantemente desafiada a fazer uma escolha de extrema importância: eleger a pessoa que terá a responsabilidade de representar seus anseios.
Este é o cenário de uma comunidade que cotidianamente enfrenta desafios comuns e busca soluções de forma comunitária. A condição precária da Estrada do Guairacá é apenas um entre os tantos desafios enfrentados. O risco que representa faz com que atenção seja uma habilidade intrínseca à população que trafega pela via vicinal: se de um lado a estrada é perigo, de outro pode ser oportunidade para avançar. “Eu estou imaginando que a estrada pensa que eu também sou com ela: uma coisa bem esquecida”. Semelhante à poesia de Manoel de Barros, ao longo de muitos anos e por meio dos mais variados esforços de mobilização, a população local se ressente do esquecimento e do descaso acerca de tantas promessas feitas pelo poder público. Entretanto, uma nova página começa a ser escrita. Um encontro de propósitos destes capazes de mudar o desfecho da caminhada de luta pela adequação da estrada.
Em âmbito estadual, uma emenda devidamente aprovada no orçamento do Paraná no valor de R$ 90 milhões garante a destinação de recursos públicos para execução do projeto de revitalização da estrada, que prevê a recuperação e alargamento do asfalto, a construção de ciclofaixa, acostamento praticável, sinalização, redutores de velocidade onde necessário e pavimentação nos cinco quilômetros finais.
Tudo isso é fruto da mobilização da comunidade, que começou com a articulação de um grupo de moradores convidando a população a acreditar neste sonho. O “sim” veio por meio de um abaixo assinado com cerca de 1500 assinaturas, reiterando a proposta. O grupo encontrou apoio no Poder Legislativo local, que criou a Comissão para Assuntos Relevantes da Câmara sobre a Revitalização da Estrada do Guairacá, formada oficialmente por vereadores e vereadoras de vários partidos, com a participação de organizações da sociedade e de deputados estaduais e federais.
Mas ainda há um obstáculo na pista: o recurso aprovado no orçamento estadual depende da vontade política do governo do Paraná em destiná-lo à execução do projeto. Antes, porém, é preciso contratar o serviço de elaboração do projeto técnico que vai embasar todo processo, desde a licitação até a realização da tão sonhada obra. Um desafio que demanda recursos financeiros e técnicos e o envolvimento de todos: população, Câmara de Vereadores, Prefeitura Municipal, iniciativa privada e instituições de pesquisa. O projeto depende também do encaminhamento formal da cidade de Guarapuava à Secretaria da Infraestrutura e Logística do Paraná, para que a demanda possa ser oficialmente recebida, avaliada e devidamente encaminhada para execução.
É importante destacar que, na República Federativa do Brasil, esferas de governo municipal, estadual e federal coexistem em uma relação de mutualidade e papéis bem definidos, que resulta no apoio fundamental dos governos estadual e federal para o atendimento de demandas locais, principalmente em pequenos e médios municípios. Convênios e repasses de verbas de natureza diversa permitem a realização de obras e implantação de ações voltadas ao desenvolvimento local. Por isso, a população votante é constantemente desafiada a fazer uma escolha de extrema importância: eleger a pessoa que terá a responsabilidade de representar seus anseios e decidir o futuro da cidade, do estado e do país em que vive. Os frutos dessa decisão individual são colhidos por todas as pessoas, para o mal ou para o bem comum.
Mobilizadas em prol da revitalização da Estrada do Guairacá, as famílias que vivem no entorno e os demais usuários sonham com uma via devidamente adequada e pavimentada para que possam ir e vir de forma segura, de maneira que a surpresa da próxima curva seja uma paisagem inspiradora, na certeza de chegar ao destino de forma segura. Neste propósito, vamos em frente, juntos pela estrada.
Clarita Rickli é jornalista, produtora agroecológica e integrante do Coletivo Juntos Pela Estrada, movimento da sociedade criado em 2022 em prol da revitalização da Estrada do Guairacá.