O julgamento precipitado dos fatos internacionais pode, naturalmente, incorrer em graves erros de interpretação, bem como criar "mitos históricos", capazes de enclausurar argumentos e circunscrever visões mais arejadas e hábeis a pensar saídas responsáveis para um determinado impasse, como o recente teste nuclear norte-coreano.
É evidente que prós e contras podem ser esboçados sobre o ato norte-coreano, sobretudo se levando em conta a repercussão que a explosão de uma bomba nuclear, aparentemente sem efeitos nocivos ao meio ambiente, foi capaz de trazer aos "olhos internacionais". O jogo político-mundial foi nitidamente abalado, para o bem ou para o mal, pois as marcas do horror japonês em meados do século passado ainda assombram as imagens internacionais.
Numa visão apreciativa, não se pode deslembrar que esse teste apenas tem realmente efeitos regionais, pois, segundo engenheiros nucleares, a arma utilizada é de pequeno potencial ofensivo, cujos danos seriam diminutos se comparados a outros possíveis de serem causados por um armamento diferente e autorizado de destruição massiva. Ademais, tal ato serviria por uma afirmação de uma "política de dissuasão" regional à semelhança dos fulgores da fria guerra poucos anos atrás. Por fim, poder-se-ia também levantar o valor interno de tal ato, para que um governo comunista imerso em tanta crise reconquiste sua legitimidade política ou mesmo como uma forma de resposta às sanções financeiras impostas pelos EUA no ano passado.
Contudo, a análise depreciativa parece sobressair desde as bocas miúdas à grande mídia. O ato norte-coreano é visto como um atrevimento, uma espécie de "imprudente ousadia", que desafiou a comunidade internacional e fez estourar os últimos esforços coletivos pelo fim das armas nucleares. Clara é a violação das normas de desarmamento e não-proliferação, bem como da atual moratória sobre os testes nucleares.
Desde a Guerra da Coréia entre os anos de 1950 e 1953, jamais se tinha vivido uma situação de urgência como essa. A desestabilização regional parece inevitável e os orgulhos amarelos foram feridos. Tal ato demonstrou que as opiniões proferidas pelos primeiros-ministros do Japão e da China na última segunda-feira, sobre a impedição dos desejos norte-coreanos, não tiveram valor algum, o que lhes retirou, naturalmente, uma legitimidade e na representação dos interesses orientais.
Essa análise pessimista leva naturalmente à percepção de alguns resultados que hão de se revelar. Da ousadia da bomba, talvez se tenha internamente gerado o próprio suicídio do regime comunista, por um inevitável isolamento internacional, que trará condições e recessões socioeconômicas ainda piores para a Pyongyang.
Também há que se destacar outras conseqüências: o fim da política de ajuda humanitária propiciada pelo sul da península; a construção de uma resolução para estabelecer-lhe sanções; o fim do abastecimento de petróleo chinês à Pyongyang pelo constrangimento que tal ato lhe causara na sua credibilidade perante os EUA; a criação de um "contágio nuclear", especialmente às aspirações iranianas, vez que o país verá as conseqüências e a repercussão internacional do ato norte-coreano; uma intervenção militar "onunense" (estadunidense?) aos sabores do Afeganistão, do Iraque etc.; a aplicação do Capítulo VII da Carta da ONU, que, no correr da resolução 1695, admite a imposição internacional de sanções econômicas, militares e diplomáticas etc.
Em suma, um simples teste local poderá trazer conseqüências desastrosas para o jogo internacional. A saída que às pressas vem à tona certamente é, num primeiro momento, a busca de esforços coletivos para a entrada definitiva em vigor do CTBT (Tratado de Proibição de Testes Nuclerares), e, num segundo instante, a busca por um "diálogo internacional", por meio de uma diplomacia construtiva, que seja capaz de não apenas descaminhar os coreanos de seus objetivos, mas levá-los a repensar os efeitos dos seus atos.