Nunca se falou tanto sobre esse tema como nos útimos tempos, exatamente porque faltou ética no comportamento de muitos políticos brasileiros. Graves denúncias de corrupção marcaram as relações entre membros dos Poderes Legislativo e Executivo na última legislatura e ensejaram a criação de CPIs e a abertura de processos pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados. Muitos deputados foram julgados por esse Conselho, que condenou alguns deles. No entanto, ao serem submetidos a julgamento pelo plenário da Câmara, poucos foram cassados, sem falar nos que renunciaram ao mandato para escapar à cassação. E o lamentável é que vários dos que estiveram envolvidos nas denúncias de corrupção foram reeleitos e retornaram para mais um mandato. Isso nos leva a refletir e a indagar sobre o quanto o comportamento ético dos candidatos influenciam ou não a escolha dos eleitores.
Uma consideração a ser feita é a de que o problema da corrupção não se situa apenas no nível do comportamento individual do político, mas também tem raízes profundas e causas estruturais na esfera do sistema político vigente no país. São graves as distorções do sistema partidário e eleitoral que precisam ser identificadas e eliminadas. Para tanto, exige-se uma ampla e profunda reforma política, que vá além de mudanças pontuais e superficiais nas regras eleitorais e nas normas partidárias. É preciso que se repense e se reconstrua o marco institucional que rege a vida e as relações políticas no Brasil. Estas foram fortemente impactadas por processos internos e externos que afetaram as estruturas de nossa sociedade e tornaram inadequadas, senão obsoletas, instituições que compõem o Estado brasileiro.
Destacaria, entre outros exemplos, o quadro partidário que se exauriu. Os partidos políticos nada mais representam do ponto de vista ideológico e programático. Perderam, portanto, sua identidade política. Em razão disso, a fidelidade partidária não tem em que se sustentar e o "troca-troca" de legendas tornou-se uma praxe que serve à barganha de interesses inconfessáveis.
Diante desse quadro, e insatisfeitos com a condução ou omissão de suas bancadas, parlamentares de diferentes partidos resolveram se articular para encaminhar iniciativas conjuntas em torno de algumas questões. A primeira foi a criação de uma frente parlamentar pelo fim do voto secreto, que desencadeou ampla campanha na sociedade, coletando milhares de assinaturas em apoio à iniciativa. Graças a isso, conseguiu-se votar, em primeiro turno, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria a obrigatoriedade do "voto aberto". Falta completar a votação na Câmara e ser definida em dois turnos no Senado.
Outra iniciativa desse grupo suprapartidário foi a criação da CPMI dos "Sanguessugas", que investigou dezenas de parlamentares envolvidos em desvios de recursos públicos da área da Saúde, cujos resultados foram encaminhados ao Ministério Público Federal para as necessárias providências.
Um terceiro caso que suscitou a ação desse mesmo grupo foi o aumento de 91% dos subsídios dos deputados e senadores, decidido pelas Mesas Diretoras das duas Casas, com a anuência do Colégio de Líderes, sem a devida votação em plenário. Os deputados entraram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF), que o acatou, decidindo pela anulação do referido aumento.
Mais recentemente, por ocasião da eleição do presidente da Câmara dos Deputados, o grupo suprapartidário lançou um movimento denominado de "Terceira Via", que defendeu um programa e compromissos representados por uma candidatura alternativa. Esse movimento, embora não tenha conseguido sucesso eleitoral, obrigou os dois candidatos "oficiais" a apresentar e debater suas propostas, além de ter levado a disputa ao segundo turno.
Como se vê, há espaço para ações de parlamentares independentes, sintonizados com os anseios da sociedade e comprometidos com a recuperação da imagem e da credibilidade do Poder Legislativo.
O desejável não é que tenhamos de agir fora de nossas bancadas partidárias. Mas enquanto não se fizer uma reforma política que reconstrua o quadro partidário e que coloque a ética como exigência fundamental e pressuposto da ação político-partidária, somos levados a atuar suprapartidariamente, em respeito aos compromissos assumidos com a sociedade.
Vamos continuar fazendo nossa parte, esperando que a sociedade civil organizada faça a sua, sem o que a nossa tarefa estará incompleta. Não teremos ética na política nem democracia consolidada se os cidadãos não participarem politicamente, fiscalizando permanentemente seus representantes e exercendo diretamente sua cidadania política.
Luiza Erundina é deputada federal (PSB/SP).