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Artigo

Eu pedi para o universo

 | Leticia Akemi/Gazeta do Povo
(Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo)

Essa interessante afirmação é algo que sempre me intrigou, não apenas como psicoterapeuta, mas enquanto um ser que sempre buscou nas energias da natureza e na espiritualidade um equilíbrio para compensar os meus desígnios racionais que sempre tentam descrever, justificar, controlar e planificar algo que não pertence ao campo da lógica: meus sonhos, desejos, fantasias e emoções.

Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente, já dizia Shakespeare. O domínio da dor alheia, o olhar frio de quem assiste a uma montanha russa como espectador, com os dois pés bem plantados no chão, é uma experiência de observador, de testemunha, o que não se confunde com o papel de protagonismo de uma vida real de quem enfrenta voltas e piruetas que fazem o coração quase sair pela boca a cada nova manobra do carrinho que voa sobre os trilhos. As curvas suaves, para quem acaba de experimentar momentos súbitos e inesperados de altas velocidades de cabeça para baixo, disparam os mais profundos arrepios, o que é totalmente ilógico e incompreensível para quem vê de fora.

Muitos de nós fugimos dos nossos desejos e resistir a eles é viver num mundo de culpa, de prostração

A frase que intitula esses devaneios, “Eu pedi para o universo”, é curiosa porque nem sempre o que pedimos vem. E há vezes em que até vem, mas irônica ou tragicamente, ao contrário do que pedimos. Os mais fervorosos adeptos de uma conexão com esse mundo intangível do misticismo e das energias celestiais atribuem o pedido que sai pela culatra ao bom e velho pensamento de que “pedi uma solução e veio para mim um desafio, um obstáculo a ser superado e uma lição a ser aprendida”. Esse ponto de vista analítico e benevolente é análogo à condição de uma criança que pediu um brinquedo de aniversário e recebeu um par de meias do Homem-Aranha e uma confortável cueca de algodão azul. A lógica de pedir um peixe e receber uma isca e um anzol não me convence. Eu quero o peixe, não o trabalho de pescá-lo. Suplicar pelas palavras algo de que o desejo discorda é causa perdida. Nossos desejos se manifestam à nossa revelia e não pedem permissão para nos fazer trocar palavras, esquecer algo que é importante e sentir uma atração irresistível por aquilo que muitas vezes dizemos não suportar. A vida às vezes é isso, um trajeto errante, ambíguo e contraditório que se faz num incerto emaranhamento entre três condições: para onde dizemos que queremos ir, para onde nosso desejo nos leva, e para onde acabamos indo no fim das contas.

Pode ser que sim, ou que não, mas uma coisa que os anos de consultório, escutando e aprendendo, me ensinaram é que o universo nos ouve e nos entrega precisamente e no tempo certo não aquilo que a ele pedimos e verbalizamos pela construção da racionalidade, mas o que ele lê, através das entrelinhas do pedido. Soberano, o universo ignora por completo as nossas palavras, percebe o nosso desejo e entrega, sem melindres, o que mais queremos e por vezes queremos evitar. É daí que surgem os nossos esquecimentos das chaves em lugares aonde juramos conscientemente não voltar mais, ao mesmo tempo em que algo lá no fundo nos obriga, desesperadamente, a buscar novamente o que lá ficou e que uma parte minha precisa resgatar.

O universo não ouve a casca de noz das nossas palavras. Ao contrário, ele as ignora e vai direto ao fruto. Ele jamais contraria a nossa intenção. Ao contrário, ele atende com toda a sua intensidade ao pedido do coração, independentemente do que exigem as esforçadas, porém impotentes palavras da razão. E essa é uma das contradições humanas. Muitos de nós fugimos dos nossos desejos e resistir a eles é viver num mundo de culpa, de prostração, de tentar incessantemente ser o que não é e de reprimir o que somos em nossa essência: uma centelha divina do universo que está aí para atender caprichosamente ao que pedimos.

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