Por eutanásia entendemos o ato de provocar diretamente e voluntariamente a morte de um paciente. É diferente de ortotanásia, que é a morte no tempo certo: deixar de realizar tratamentos inúteis e que somente trarão mais sofrimento ao paciente, e evitar a chamada distanásia, que é a morte com sofrimento. Esta distinção conceitual é importante, pois uma criança em estado terminal deve receber todo o suporte dos cuidados paliativos. E a eutanásia não faz parte deles.
Já afirmamos diversas vezes que não existem razões fisiológicas, biológicas ou clínicas para a eutanásia, seja ela em adultos, seja em crianças. Não existe também eutanásia baseada em evidências, se procurarmos usar a linguagem médica atual. A chamada "medicina baseada em evidências" emprega os dados provenientes de grandes estudos clínicos para tomada de decisões com os pacientes. Portanto, restam apenas as motivações antropológicas, éticas, culturais e religiosas no debate sobre a eutanásia. E estas se tornam ainda mais preocupantes quando analisamos a aprovação, pelo Parlamento belga, da eutanásia em menores de idade.
A busca de uma motivação ética para esta grande perda no sentido de humanidade que está acontecendo na Bélgica (mas que também ocorre na Holanda) é complexa. Poderia ser apenas uma decisão em cima do princípio da autonomia ou da autodeterminação, como existe nos documentos pró-eutanásia em adultos? Não, não é. Neles, a defesa da eutanásia se baseia no fato de que o paciente, podendo decidir sobre a sua própria vida, também poderia decidir sobre sua morte. No caso de crianças, isso logicamente não tem o mesmo fundamento moral. O médico é quem, neste caso, deverá avaliar a dor e o sofrimento do neonato ou da criança, e buscar critérios (não baseados em evidências científicas porque estas inexistem) que possam justificar a antecipação da morte. O neonato e a criança, como bem sabem os pediatras e os psicólogos, não têm a mesma percepção de um adulto para definir como suportável ou insuportável o seu sofrimento. Nem compreendem a morte da mesma forma como nós, adultos, a vemos.
Felizmente não temos mais a eutanásia proclamada por estados totalitários e fruto de ideologias ultrapassadas. Também não estamos mais discutindo a eutanásia eugênica, aquela com a finalidade de eliminar indivíduos com deformidades e, assim, tentar melhorar a raça. Nem mesmo aquela econômica, com a eliminação de indivíduos que seriam um peso para a sociedade. Restou a eutanásia liberal, com o centro na vontade do indivíduo. Esta, em crianças, não tem sentido. Exige-se, dentro da lei belga, que a criança tenha doença incurável, discernimento, consentimento dos pais e suporte emocional. Porém, a capacidade de discernimento de um neonato ou criança em relação a isso é muito limitada ou mesmo inexistente. Sendo assim, também a sua capacidade de autodeterminação fica prejudicada.
O patrimônio de qualquer sociedade democrática é a pessoa humana, até porque ela só existe em virtude das pessoas que a constituem. Edmund Pellegrino defende, em sua ética das virtudes, que existem algumas atitudes que não poderiam ser tomadas jamais pelos médicos: uma delas é exatamente a de não matar. Parece tão básico que não mereceria nem mesmo ser dito. Mas, com decisões como esta, na Bélgica, estamos nos afastando cada vez mais da ética da solidariedade. E todo o discurso pró-eutanásia que se refira à qualidade de vida (ou da perda dela) não pode se esquecer de que o seu pressuposto é o de reconhecer o valor da vida em si mesma.
Cicero Urban, médico oncologista e mastologista, é professor de Bioética e de Metodologia Científica na Universidade Positivo e na PUCPR e vice-presidente do Instituto Ciência e Fé.
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