Na linguagem enganosa e politicamente correta dos governantes é proibido falar em catástrofes e devastações. Evento máximo é mais apropriado, científico: não assusta, passa uma sensação de segurança.
O evento máximo desta semana lembra uma Pompeia com dimensões continentais. A espessa nuvem de cinzas expelida por um vulcão subterrâneo na Islândia nessa quinta-feira paralisou o tráfego aéreo no norte europeu e produziu um efeito-dominó com desdobramentos imprevisíveis e impensáveis. Dependendo dos ventos e da violência do espasmo geológico pode estender-se além do weekend, por muitas semanas. Ou meses.
A modernidade é uma nova religião centrada nos dogmas da perfeição e da infalibilidade: não se aceitam surpresas nem lapsos. Admitir o caos é heresia. Mesmo quando os acólitos-robôs anunciam que "o sistema caiu" e os crentes enfileirados diante dos guichês começam a consultar os relógios ou imprecar contra a satânica imprevidência dos sacerdotes intermediários.
Há 1931 anos, em 24 de Agosto de 79, a lava e as cinzas emitidas pela erupção do Vesúvio (inativo há 1500 anos) começaram a deslizar em direção da refinada Pompeia. Há fortes evidências de que tudo aconteceu rapidamente: as escavações iniciadas em meados do século 17 indicaram que parte da população, pelos menos os 3 mil mortos, acreditou que o "sistema não cairia" e continuou seus afazeres e prazeres.
Em 2007 a Islândia foi apontada como a nação mais desenvolvida do planeta graças à sua posição no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU e no ranking dos PIBs: o seu era o quarto maior per capita. Ano seguinte, quem diria, o "sistema caiu" o país estava quebrado e politicamente paralisado.
Evento máximo, médio ou mínimo? Influenciados pela ficção científica estamos construindo uma fantasia tecnológica na qual os sistemas são imbatíveis e indefectíveis, proibidos de "cair". A não ser quando os grandes sacerdotes da indústria, sobretudo automotiva, reconhecem seus pecados, batem no peito e admitem erros de fabricação.
Não há recalls para compensar estragos produzidos por "eventos máximos". No entanto, as grandes seguradoras e instituições de resseguros já começaram a preocupar-se com a recorrência das calamidades. Os prejuízos causados nas primeiras 36 horas de erupção islandesa podem afetar drasticamente o negócio do transporte aéreo mundial.
A facilidade de deslocamentos é um dos esteios da globalização, sem mobilidade o sistema "cai", não se sustenta. O ser humano dito moderno não sabe recolher-se, ao contrário, está sendo treinado para zanzar, perambular, certo de que o seu passaporte é uma espécie de curriculum vitae ou manual de instruções para fazer sucesso. Imagina-se pássaro se parar de bater asas e voar, cai.
Além da fumaça e das cinzas, o desconhecido e impronunciável vulcão escondido debaixo da geleira Eyjafjallajokul, está emitindo algumas mensagens muito simples e claras: eventos máximos podem gerar eventos extraordinários. Nada a ver com o Apocalipse e o Juízo Final, o sistema religioso também caiu, está em frangalhos.
Neste momento, o espelho retrovisor pode oferecer soluções mais inovadoras do que a telinha do computador.
Alberto Dines é jornalista
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