Notícia recente: Evo Morales se recandidata pela quarta vez. Notícia velha e repetida: líderes do mesmo lado do espectro político costumam desrespeitar o limite de mandatos.
Morales é presidente da Bolívia desde 2006. O artigo 168 da Constituição proíbe duas candidaturas sucessivas, e o presidente instituiu um referendo popular para mudar a norma. Perdeu, mas atribuiu a derrota a campanhas midiáticas contra ele e pediu, então, a suspensão do artigo ao Tribunal Constitucional, que acolheu o requerimento observando que a habilitação de Morales só amplia um direito, o seu, sem tirar de outros o direito de derrotar o presidente nas urnas; “no fim, é o povo que vai decidir”, falam.
Na verdade, mais que o povo decidir, quando um presidente se recandidata tem muitas formas (legais ou não) de se manter agarrado à poltrona: ele pode artificialmente inflar a economia para aparentar uma boa situação (Political Business Cycle); pode distribuir verbas para criar e manter alianças partidárias e contentar nichos de eleitorados; pode segurar dados negativos sobre a economia; pode fazer propaganda institucional para alavancar o governo; e pode controlar as urnas. É empiricamente e amplamente demonstrado que ele tem a chamada “Vantagem do Incumbente”.
Nos EUA, primeiro a quebrar a regra foi o democrata Franklin D. Roosevelt
Quando, recentemente, Angela Merkel ganhou pela quarta vez consecutiva, Morales aproveitou para compara-la à própria situação. Uma aula grátis de ciência política ao presidente: “Evo, el parlamentarismo es diferente del presidencialismo”. O presidencialismo é a única forma de governo em que o papel de chefe de Estado e de chefe de governo são exercidos pela mesma pessoa. Banalmente, imaginem que na Inglaterra os cargos de primeiro-ministro (atualmente, Theresa May) e chefe de Estado (atualmente, a rainha) fossem acumulados pela mesma pessoa. Merkel é só chefe de governo, e não presidente. O limite de mandatos serve exatamente para balancear essa enorme concentração de poder. Acumula-se dois cargos, mas isso é limitado no tempo.
A tradição do limite de mandatos foi iniciada de modo informal pelo primeiro presidente norte-americano, George Washington, que se recusou a se candidatar pela terceira vez. Ele foi general do Exército durante a Revolução Americana, um dos Founding Fathers, figura carismática e primeiro presidente. Achava que, desta forma, teria concentrado poderes demais por tempo demais, e que isso teria prejudicado as instituições democráticas. Todos os sucessivos presidentes respeitaram essa praxe como regra entre cavalheiros, sem precisar constitucionalizá-la. O primeiro a quebrar a regra, candidatando-se a uma terceira e uma quarta vez, foi o democrata Franklin D. Roosevelt (o do New Deal keynesiano, o admirador de Mussolini, o que roubou o termo “liberal” para os sociais-democratas). Depois da sua morte, foi aprovada, em 1951, a 22.ª Emenda à Constituição, que proíbe a reeleição por mais de duas vezes. Na falta de cavalheiros, é melhor ter garantias escritas.
Na Venezuela, o exercício presidencial era limitado a no máximo dois mandatos consecutivos até 2009, quando Hugo Chávez conseguiu mudar esse limite e ganhar o terceiro mandato. Depois dele, chegou seu homem, Nicolás Maduro, e o resto é crônica. No Equador, Rafael Correa fez a mesma coisa.
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No Brasil, era proibido se recandidatar para a Presidência até 1997, quando Fernando Henrique Cardoso negociou com governadores e prefeitos a mudança da Constituição e foi reeleito. Hoje, considera-se que esse limite seja duas eleições consecutivas. Lula, por exemplo, poderia se recandidatar (Curitiba e Porto Alegre permitindo), pois houve o intermezzo da Dilma. Do ponto de vista formal, não há irregularidade nenhuma. Do ponto de vista substancial, será que 14 anos do mesmo partido no governo, com um governo e meio de intermezzo liderado por uma pessoa de confiança, evita o perigo de concentração de poder que o limite de mandatos dos constituintes americanos queria evitar? Já foi explicitamente admitido que, se Lula voltar, talvez mande prender jornalistas e regulamente a mídia (aconteceu a mesma coisa na Venezuela).
Dos 14 países da América Latina com limite de mandatos, quatro permitem dois mandatos, sete permitem ao ex-presidente se candidatar de novo depois de esperar um turno, e três ficam com o limite de mandato normal e mais rígido mesmo. Desde 1990, candidatos incumbentes perderam só duas eleições no continente todo, e muitos conseguiram escolher o próprio sucessor.
O limite de mandatos serve para evitar que a mesma pessoa nomeie ou influencie todos os juízes da corte suprema, todos os gerentes de todos os ministérios, todos os diretores das agências reguladoras, todos os presidentes dos institutos estatais de pesquisas, todos os diretores de empresas estatais. Se ele fica por muito tempo no cargo, gradualmente e inevitavelmente vai acontecer isso. Colocando em termos mais nobres, alguém já falou que “políticos e fraldas têm de ser trocados com regularidade e pelo mesmo motivo”.
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