De acordo com projeções da FGV, esta década que termina agora em 31 de dezembro de 2020 pode apresentar a maior involução do PIB per capita do Brasil em toda a série histórica que se tem deste indicador, superando a chamada “década perdida” dos anos 80. Usando os dados do Banco Mundial, naquela década o PIB per capita do Brasil caiu 4,38%; nesta década, até 2019, já caiu 1,46% e, como nesse ano espera-se uma outra queda, é possível ter um resultado ainda pior que o dos anos 80.
A década de 80 foi perdida em praticamente toda a América Latina, devido à crise da dívida externa e ao forte ajuste de balança de pagamentos que foi exigido dessas economias, com maxidesvalorizações, queda de consumo e PIB. Nos anos 70, a grande maioria dos países latino-americanos era governada por ditadores militares, cuja legitimidade estava baseada no crescimento e desenvolvimento econômico. Assim, após os choques do petróleo em 1973 e 1979, esses países, em vez de deixar que as economias absorvessem esses choques recessivos, preferiram controlar artificialmente o preço desta commodity para que as economias não perdessem (tanto) ritmo de crescimento, por meio de endividamento externo, com as bênçãos do governo americano. Os desequilíbrios da balança de pagamentos só cresciam.
Entretanto, com o segundo choque de petróleo, a nova administração do Fed (o banco central americano) deu um choque de juros em 1981, fazendo a taxa básica (federal funds rate, a Selic deles) sair de 11% para 20%, para combater a inflação de lá. Com isso, os países latino-americanos ficaram incapazes de pagar o serviço da dívida (pagar os juros) e ficaram insolventes, tendo de negociar pacotes de ajuda com o FMI. Essa foi a principal razão para a década perdida dos anos 80.
Para o Brasil encontrar o seu caminho para o desenvolvimento, é preciso, primeiro, que o setor público deixe de ser um entrave ao desenvolvimento e passe a ser um parceiro do setor privado
Com exceção de 2020, quando a pandemia provocou uma recessão em praticamente todos os países do mundo, o nosso desempenho pífio nesta década é fruto de erros de política econômica feitos por nós mesmos. Após crescer 7,5% em 2010, o Brasil tinha superado a crise financeira internacional de 2008; entretanto, o governo Dilma Rousseff continuou a expandir as medidas “contracíclicas”. O BNDES continuou recebendo aportes crescentes do Tesouro Nacional, que financiou grandes empresas (“campeões nacionais”) para que comprassem empresas estrangeiras, por meio de emissão de dívida pública. Foram feitas desonerações de encargos sociais na folha de pagamento de alguns setores, que até agora não foram revertidas, dada a força política desses setores junto ao Congresso Nacional. Além disso, houve ingerências indevidas no preço da gasolina, taxa Selic artificialmente baixa e consequente descontrole inflacionário. Tudo isso gerou forte incerteza na sustentabilidade da dívida e profunda recessão, que culminou no impeachment da presidente Dilma. O PIB per capita do Brasil em 2016 foi 8,57% menor que o de 2013, quase o dobro da queda esperada para esse ano de pandemia.
Quando analisamos o crescimento do Brasil nos últimos 60 anos em relação à principal economia do mundo, os Estados Unidos, em 1960 o PIB per capita (em poder de paridade de compra) do Brasil era equivalente a 22,86% dos americanos. Atingimos o ápice em 1980, com 34,3%, e voltamos praticamente ao mesmo patamar de 1960 em 2019, com 23,43%. Apesar de todos os avanços que tivemos nesse período, nós não conseguimos fazer o chamado catch up, isto é, não estamos conseguindo nos aproximar do nível de desenvolvimento dos EUA. Por outro lado, os países asiáticos estão sistematicamente conseguindo se aproximar dos países mais avançados. Por exemplo, a Coreia do Sul em 1960 tinha um PIB per capita de apenas 7,06% do PIB per capita americano, ou seja, menos de um terço do brasileiro. Em 2019, a Coreia esteve a quase 70% (exatamente 68,39%). Mas a Coreia não é um caso único, apesar de ser um caso espetacular. A Malásia saiu de 15,61% em 1960 para chegar a ter 45,36% do PIB per capita americano em 2019. Enquanto os países asiáticos estão chegando ao futuro antes de nós, o Brasil ainda não superou a década perdida.
- O recado da OCDE para o Brasil (editorial de 16 de dezembro de 2020)
- Menos impostos, mais competitividade (artigo de Francisco Turra, publicado em 16 de dezembro de 2020)
- Reformas tributária e administrativa: por um Estado mais justo e expedito (artigo de Jacir Venturi, publicado em 14 de dezembro de 2020)
Para o Brasil encontrar o seu caminho para o desenvolvimento, é preciso, primeiro, que o setor público deixe de ser um entrave ao desenvolvimento e passe a ser um parceiro do setor privado. Fazer reformas que ajustem as contas públicas para garantir uma taxa de juros baixa, deixando de competir (de forma desleal) com o setor privado pela poupança interna e externa, já é um começo. E investir naquilo que é cada vez mais estratégico: capital humano, gente capaz de aprender, produzir e criar coisas diferentes. A sociedade, e não só o governo, precisa entender que investir em capital humano significa também garantir as mesmas oportunidades a todas as crianças, não importando se nasceram em um palacete ou na favela. Dar as mesmas oportunidades de competição para empresas de capital nacional ou estrangeiro, instaladas aqui ou alhures.
Além disso, temos de ter políticas que protejam aqueles que se arriscam ao criar negócios. A destruição criativa faz parte de uma economia avançada e dinâmica, o risco é inerente ao capitalismo; portanto, quebrar e falhar não deve ser punido como se o empreendedor fosse um bandido. O instituto da responsabilidade limitada tem de ser sagrado. Casos de suspeita de fraude devem ser investigados e punidos caso comprovados, mas têm de ser a exceção, não a regra.
Se a sociedade adotar esses valores, os futuros governos irão desenvolver políticas públicas alinhadas a esses valores e estaremos mais perto de encontrar um fast track rumo ao desenvolvimento econômico e social. Esses valores podem ser chamados de liberalismo.
Josilmar Cordenonssi Cia é graduado em Economia, mestre e doutor em Administração de Empresas e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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