Por meio do Projeto de Lei 2.213/2021, pretende-se alterar a Lei de Execução Penal para estabelecer a exigência da aplicação do exame criminológico como condição necessária para que o preso possa obter a progressão ao regime aberto e o benefício da saída temporária.
O conceito do laudo criminológico foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela Reforma Penal de 1984, quando a legislação passou a condicionar o exercício do direito ao livramento condicional à apresentação de um exame de cessação de periculosidade que indicasse que o preso não voltaria a delinquir. Esta exigência legal foi acertadamente revogada pela Lei 10.792/2003, mas a proposta legislativa em questão se utiliza de concepções consideradas arcaicas pelo Direito, pela Psicologia e pela Criminologia para trazer de volta e ampliar essa ultrapassada concepção instaurada na década de 1980.
Em uma manobra pouco original e já conhecida dos penalistas, o projeto explora casos trágicos de grande impacto midiático, para instigar o clamor social pelo rigor punitivo, grande força motriz da maioria dos retrocessos impostos recentemente à população brasileira, em termos de perda de direitos individuais. A proposta legislativa se fundamenta na falaciosa suposição de que tal exame teria o poder de prever se alguém futuramente irá praticar um ilícito – prognóstico impossível, segundo reiterados estudos e pareceres do Conselho Federal de Psicologia.
Não existem critérios objetivos para aferir tal prognóstico, e tentar fazê-lo implicaria a utilização de dados da vida pregressa do indivíduo e a consequente confirmação de seu estigma de criminoso, resultando em avaliações que não são científicas, mas sim julgamentos morais sobre a vida do condenado.
Qualquer avaliação que pretenda apresentar as probabilidades de um comportamento perigoso (muito menos criminoso) será insubsistente e leviana. Tal pretensão representa apenas uma tentativa de legitimação de decisões judiciais punitivistas que, aos olhos do público leigo, podem parecer eficazes e efetivas ao controle da criminalidade, mas que na verdade serviriam apenas para piorar o “estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário”, já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Esse sistema penal mantém pessoas encarceradas e viola direitos e garantias constitucionais com base na opinião supostamente científica de um perito, emitida sob circunstâncias que impedem resultados confiáveis. A superlotação carcerária e a falta de profissionais habilitados para a realização dos exames já previstos em lei, por exemplo, para aqueles que não eram total ou parcialmente capazes de entender que estavam praticando um crime, inviabilizam a pretensão de avaliações psicológicas.
A obrigatoriedade do laudo criminológico é também inconstitucional por violar uma série de princípios estruturantes do Direito e do Processo Penal democrático, como o contraditório, a presunção de inocência, o direito ao silêncio e a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Por todos esses motivos, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) – entidade jurídica mais antiga das Américas – formulou parecer contrário ao referido projeto de lei, relatado por Mariana Weiguert e Salo de Carvalho, integrantes da Comissão de Criminologia do IAB, que aborda em profundidade toda essa problemática.
Modificações legislativas, especialmente as que restringem direitos, devem obedecer a critérios técnicos e científicos e se respaldar em estudos e pesquisas sobre o tema. Exigir que se submeta o preso a exame criminológico como requisito para exercer o direito a progressão de regime e para saída temporária, no entanto, é não apenas inviável, como inútil.
Marcia Dinis é diretora de Biblioteca e presidente da Comissão de Criminologia do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).
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