Na última semana, a comunidade internacional observou com expectativa a realização do acordo multilateral entre Ucrânia, Rússia e Turquia, com a supervisão da Organização das Nações Unidas (ONU). O objetivo era possibilitar o escoamento dos grãos produzidos pela Ucrânia pelo tensionado Mar Negro e a conseguinte flexibilização das sanções à Rússia, que poderia, como contrapartida, também dar seguimento à exportação dos fertilizantes e insumos produzidos em seu território. Foi um aparente alívio no sufocamento econômico pelo qual o país governado por Vladimir Putin passa há cinco meses, como resposta à invasão e ataque ao território ucraniano desde fevereiro.
O acordo de Istambul não foi celebrado diretamente entre Moscou e Kiev, mas, sim, bilateralmente com a Turquia, como terceiro interessado. O país se propôs a fiscalizar as embarcações ucranianas, e a expectativa era que o mesmo pudesse reabrir as mesas de negociação para um distante cessar-fogo, haja vista as tentativas fracassadas realizadas anteriormente por Belarus, Israel e pela própria Turquia.
Entretanto, um dia após a assinatura do acordo, as forças militares russas bombardearam a região portuária de Odessa, na Ucrânia, alegando a manutenção de suas “operações militares especiais” – a guerra contra alvos militares específicos. Isso, segundo seus porta-vozes, não impactaria a efetivação do acordo estabelecido previamente. Só faltou combinar com os turcos e ucranianos.
A continuidade da invasão russa ao território ucraniano, mesmo com este acordo e com outros que serão celebrados pontualmente no futuro próximo, faz parte da estratégia geopolítica de Putin para a Ucrânia. Eles possuem, neste momento, dois objetivos aparentes: o controle da porção meridional e costeira do território ucraniano, em uma espécie de círculo de contenção, desde a região separatista da Transnístria (na Moldávia), fronteiriça com a Ucrânia e apoiada por Moscou, até a Crimeia e os territórios ocupados de Donetsk e Luhansk, ambos com intenções separatistas e dominados pela Rússia. E a ocupação definitiva do Donbass, muito semelhante com o que ocorreu na Geórgia em 2008, com as regiões da Ossétia do Sul e Abecásia.
O bloqueio marítimo da Ucrânia e a perda definitiva dos territórios ao leste parecem ser o objetivo final de Moscou, além da explícita intenção de desmoralizar o governo de Volodymyr Zelensky e retirá-lo do poder, algo confirmado recentemente pelo chanceler russo Sergey Lavrov.
Após cinco meses de ataques à Ucrânia, a guerra, infelizmente, parece ter encontrado o seu lugar-comum nos noticiários, nas conversas e na vida coletiva, assim como as guerras da Síria e do Iêmen. A diferença, contudo, ocorre nos seus impactos para o sistema internacional, de maneira mais intensa, como a inflação das commodities e a preocupante crise de insegurança alimentar e energética no horizonte.
Nestes tristes cinco meses de guerra, além dos cerca de nove milhões de refugiados ucranianos, outras certezas se apresentam na perspectiva das relações internacionais. Temos os primeiros impactos das sanções econômicas na economia e na política russa, a aceleração da transição da matriz energética na Europa, a emergência de crises políticas no velho continente e as evidências de um mundo pós-ocidental, ou seja, o papel de China e Rússia e seus aliados cada vez mais determinante nos rumos do sistema internacional. Seria isto uma consequência da desocidentalização e da desglobalização, processos estes antevistos por geógrafos, economistas e internacionalistas?
Enquanto isso, outras incertezas se apresentam, inclusive para nós, do outro lado do Atlântico, com relação às perspectivas econômicas, severamente impactadas pela guerra na Ucrânia e pelo cenário doméstico, bem como as posições da diplomacia econômica e política brasileira face ao futuro do conflito. Não apenas o Mar Negro testemunhará águas revoltas nos próximos meses.
Roberto Rodolfo Georg Uebel é professor de Relações Internacionais da ESPM Porto Alegre e Senior Fellow do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE).
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