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Você acha que os assassinos de Gandhi, de John Kennedy e de Martin Luther King mereceriam ser considerados refugiados políticos no Brasil? A pergunta parece absurda, mas o fato é que todos esses crimes eram políticos. Como explicar que tanta gente de boa-fé julga que, por serem políticos, certos delitos deixam de ser crimes hediondos?

Tomemos outro caso. O sequestro de Abilio Diniz foi efetuado por chilenos do Movimento de Esquerda Revolucionária, que alegaram motivos políticos, apesar de que, na época (dezembro de 1989), o Chile voltara a ser uma democracia plena. Rejeitado o argumento, eles foram condenados, sendo expulsos para cumprir o resto da pena no país de origem em 1999.

A invocação de causa política não basta, portanto, para retirar de um ato o caráter de crime merecedor de sanção nem para conceder ao autor o benefício de refugiado. Em casos extremos, pode-se compreender o uso de violência contra regimes tirânicos e opressivos que não deixam outro caminho à restauração dos direitos. É quase o equivalente ao direito da legítima defesa de parte da população.

Por essa razão, as normas internacionais só admitem como refugiado alguém que não possa ser enviado ao país de origem por existir forte presunção de que sofrerá perseguição de caráter político, racial ou religioso. A presunção se baseia, por sua vez, na existência de conflito, guerra civil ou ditadura e suspensão das garantias individuais no país para onde seria devolvido.

Tal premissa obviamente não se aplica à Itália, país que desde 1945 é um Estado de Direito e uma democracia das mais tolerantes em matéria de liberdade política. Somente ignorância ou má-fé poderia considerar perseguição política o cumprimento de pena a que foi condenado em processo legal pelos tribunais italianos o autor de quatro homicídios. Seria até irônico, se não fosse ridículo, acusar de instrumento de perseguição uma Justiça que está processando o próprio todo-poderoso primeiro-ministro Berlusconi! Oxalá tivéssemos nós, no Brasil, uma Justiça com a metade da independência perante o Executivo que tem o Judiciário italiano!

Os extremistas que atuaram na Itália desde os ‘anos de chumbo’ escolheram em geral como vítimas políticos de centro-esquerda ou de esquerda democrática, e não a direita fascista. O caso mais notório foi o sequestro pelas Brigadas Vermelhas do ex-primeiro ministro Aldo Moro, o grande líder da esquerda da Democracia Cristã. Depois de longo cativeiro, ele foi assassinado friamente, a fim de impedir que promovesse uma aliança para que o Partido Comunista viesse a fazer parte do governo, o que se chamava então de ‘compromisso histórico’.

No seu radicalismo divorciado das massas, os brigadistas pensavam que, ao evitar a chegada dos comunistas ao poder, criariam as condições para desencadear uma revolução proletária violenta.

Acabou acontecendo exatamente o oposto. O crime (esse e outros como os do refugiado no Brasil) provocaram tal repulsa no povo que empurraram a Itália cada vez mais para a direita. A esquerda italiana sempre condenou o extremismo terrorista e não compreende que o Brasil lhe conceda tratamento leniente. Talvez porque aprendeu, ao contrário de membros do governo brasileiro, que a leniência com o extremismo equivale ao suicídio da esquerda democrática.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.rubric@uol.com.br

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