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Fachin, os processos de Lula e a insegurança jurídica

Decisão do ministro Edson Fachin, do STF, anulou as condenações do ex-presidente Lula.
Decisão do ministro Edson Fachin, do STF, anulou as condenações do ex-presidente Lula. (Foto: Jonathan Campos/Arquivo Gazeta do Povo)

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Em 8 de março de 2021, o ministro Edson Fachin decidiu monocraticamente (ou seja, de forma individual) por anular integralmente quatro processos do ex-presidente Lula: o do tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e dois referentes ao Instituto Lula. A decisão, como era de se esperar, causou polêmica e dividiu opiniões com base em fundamentos políticos, jurídicos e sociais. Aqui, me limitarei a traçar críticas e ponderações sob o aspecto jurídico e técnico.

Antes de analisarmos a decisão, contudo, precisamos entender como ela foi proferida e o que levou o ministro a anular monocraticamente quatro processos criminais que ainda estão pendentes de julgamento. O processo em questão era um habeas corpus (HC) impetrado por Lula com o objetivo de anular a Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000 (tríplex), sob o argumento de que o juízo da 13.ª Vara Federal de Curitiba, antiga vara de titularidade de Sergio Moro, não tinha competência para julgar o feito em razão do local onde os crimes foram praticados à época em que Lula era presidente da República, ou seja, Brasília.

Em um primeiro momento, Fachin determinou que o HC fosse julgado pelo Plenário do STF; contudo, em seguida, alterou o entendimento e decidiu, sozinho, o mérito do processo, em análise de recurso de embargos de declaração apresentado por Lula, oportunidade em que declarou a incompetência da 13.ª Vara Federal de Curitiba e anulou não apenas o processo do tríplex do Guarujá, mas outros três processos que nem sequer eram objeto do habeas corpus.

Aqui cabe a primeira crítica a decisão de Fachin, considerando que os embargos de declaração são um recurso que visa, via de regra, a correção de questões formais da decisão, como omissão, contradição, obscuridade ou erros materiais, somente se alterando a conclusão do julgamento em caráter excepcionalíssimo. O recurso apresentado por Lula, contudo, nem sequer é cabível contra o despacho que determinou o julgamento pelo plenário, por não se tratar de decisão, o que curiosamente foi reconhecido por Fachin, que constou não ser cabível a oposição dos embargos declaratórios, mas ainda assim os apreciou e julgou.

Seguindo novamente na contramão, Fachin reconsiderou sua decisão anterior por entender que as alegações de Lula se encaixam em hipótese de jurisprudência consolidada do tribunal, razão pela qual, segundo o Regimento Interno do STF, seria desnecessário julgamento no plenário. Neste ponto cabe destacar que, quando a matéria do habeas corpus for objeto de jurisprudência consolidada do STF, o Relator pode julgar monocraticamente, mas não é obrigado a fazê-lo e não é nem mesmo recomendável tal medida, salvo em casos excepcionais em que o caso forneça a clareza e certeza suficientes para tanto. Assim, o julgamento monocrático não foi decorrente de uma obrigação legal, mas sim de uma escolha do ministro.

A decisão foi no mínimo questionável, entretanto, já que, ao contrário do que fundamentou Edson Fachin, a matéria não é tão pacífica ou clara o suficiente para um julgamento da forma que foi feito.

O núcleo da discussão é que a 13.ª Vara Federal de Curitiba só seria competente para julgar os crimes praticados em prejuízo da Petrobras direta e exclusivamente, sendo que, segundo o relator, no caso de Lula, os prejuízos iriam além da Petrobras e atingiriam outras empresas, razão pela qual o feito deveria ser julgado pela Justiça Federal de Brasília.

Mas a questão não é tão simples. O fato de os crimes praticados por Lula se encaixarem ou não na jurisprudência consolidada do STF passa por uma análise interpretativa dos fatos, tratando-se de fato controvertido. Nesse sentido, cabe destacar trechos da denúncia oferecida contra Lula e destacada pelo próprio Fachin, que assim apontou:

LULA, (...) dissimularam e ocultaram a origem, a movimentação, a disposição e a propriedade de R$ 2.424.990,83, provenientes dos crimes de cartel, fraude à licitação e corrupção praticados pelos executivos da CONSTRUTORA OAS em detrimento da Administração Pública Federal, notadamente da PETROBRAS

LULA (...), dissimularam a origem, a movimentação e a disposição de R$ 1.313.747,24 provenientes dos crimes de cartel, fraude à licitação e corrupção praticados pelos executivos da CONSTRUTORA OAS, em detrimento da Administração Pública Federal, notadamente da PETROBRAS

Dentre os procedimentos licitatórios da PETROBRAS que foram fraudados pelas empreiteiras cartelizadas, estão os relativos a obras da REPAR (Refinaria Presidente Vargas, localizada em Araucária/PR) e da RNEST (Refinaria Abreu e Lima, localizada em Ipojuca/PE), em que a OAS foi favorecida”

Logo, pelo contexto trazido na denúncia, depreende-se que todos os crimes foram cometidos em prejuízo da Petrobras principalmente, a qual se encontra no centro de todo o suposto esquema criminoso. O envolvimento de outras empresas é quase inevitável, diante do cenário de associação criminosa que se desenvolveu e a complexidade da situação, conforme reconhecido pelo próprio ministro relator, o que torna no mínimo discutível se as infrações sob julgamento de fato se encaixam ou não na regra de competência estabelecida pelo STF.

Por fim, há de se discutir que a jurisprudência do STF não é pacífica sobre o tema, ao menos não o suficiente para justificar o julgamento monocrático do caso. Ao contrário, as decisões que basearam toda a decisão do ministro foram controvertidas e com votações não unânimes. Além disso, há de se destacar a volatilidade dos precedentes recentes do STF, que sofrem com constantes modificações das regras processuais que aparentam ainda estar em construção. Tanto é verdade que a argumentação de Lula foi rejeitada em primeiro grau duas vezes; depois, pelo TRF da 4.ª Região; e, por fim, pelo Superior Tribunal de Justiça.

Logo, a opção de Edson Fachin de anular monocraticamente quatro processos criminais em curso, sem interesse na visão dos demais ministros do tribunal sobre a matéria, é temerária e vai na contramão da segurança jurídica. O ministro Marco Aurélio Mello manifestou sua discordância do posicionamento de Fachin, afirmando o seguinte: “eu continuo sustentando que habeas corpus é da competência do colegiado. Eu mesmo não julgo habeas corpus individualmente. Mas o ministro Edson Fachin tem um pensamento diverso, um entendimento diverso, e apreciou o fundo do habeas corpus em uma decisão longa, de 46 folhas”.

A discussão da competência territorial para julgamento das ações criminais deverá se prolongar e é provável que, de fato, os processos sejam anulados, eis que, apesar de questionável, há indícios de que a competência seja do Distrito Federal, mas há de se ter cuidados especiais para tomar decisões com repercussões tão extraordinárias.

Fernando Landim da Cunha Pereira é advogado com atuação principal na área de demandas cíveis e trabalhou por dois anos no Ministério Público, na Promotoria Especializada em crimes comuns.

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