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Fake news e liberdade de imprensa: a censura do TSE ao jornalismo

Daniel Ortega e Lula em 2010, durante visita do ditador nicaraguense a Brasília. (Foto: EFE/Fernando Bizerra Jr)

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A discussão sobre liberdade de imprensa ganhou um novo capítulo. No último dia 2 de outubro, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Tribunal Superior Eleitoral, concedeu uma liminar solicitada pela Coligação Brasil da Esperança (chapa Lula/Alckmin) e determinou ao Twitter e ao Facebook que retirassem do ar, no prazo de 24 horas, diversos posts e links de notícias que relacionavam o candidato Lula ao ditador Daniel Ortega, presidente da Nicarágua desde 2007. Um dos veículos citados nessa liminar foi a Gazeta do Povo, que foi obrigada a retirar do ar um post da conta oficial do jornal no Twitter, de 22 de setembro, no qual o veículo noticiava a suspensão do sinal da CNN na Nicarágua. O mesmo dizia: “Ditadura apoiada por Lula tira sinal da CNN do ar”.

Na representação apresentada pela candidatura de Lula, os advogados afirmaram que a publicação tentaria “induzir ao pensamento de que o ex-presidente compactua com a ditadura” e, portanto, o TSE deveria determinar a retirada do conteúdo do ar. Prontamente, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino acatou esse pedido e, em uma decisão repleta de adjetivações, decidiu que as postagens veicularam “informação evidentemente inverídica e prejudicial à honra e à imagem de candidato ao cargo de presidente da República nas eleições 2022”.

Não é aceitável que nós negociemos os nossos direitos e liberdades constitucionais sob o pretexto de “regulamentação da mídia” ou de “combate às fake news”.

A questão agora é saber, então, se a Gazeta do Povo de fato espalhou “fake news” ou se está sob censura.

De início, é preciso reafirmar um fato concreto e inquestionável do nosso tempo: as redes sociais – e muitos veículos da grande mídia, por que não? – são terreno fértil para notícias falsas e campanhas de desinformação, as famigeradas “fake news”. Essas distorções maliciosas da realidade, a serviço desta ou daquela agenda ideológica, tornaram-se poderosos “ativos” da disputa política e são vastamente usadas durante os processos eleitorais, com consequências muito negativas para a sociedade como um todo (polarização, radicalização, etc.)

Portanto, reconhecer a existência dessa realidade é importante, assim como também é essencial desenvolver mecanismos sérios para minimizar os danos que eventuais campanhas difamatórias e injuriosas possam ter sobre a opinião pública e sobre os caminhos democráticos do país durante uma eleição. A mentira não pode jamais ser legitimada no debate público.

Acontece que antes de pensarmos em mecanismos de qualificação do debate público, nós precisamos ter uma preocupação fundamental muito bem estabelecida: a proteção inegociável dos direitos de liberdade de imprensa, liberdade de pensamento, liberdade de expressão, liberdade de manifestação, e de todas as liberdades resguardadas na Constituição Federal de 1988.

Não é aceitável que nós negociemos os nossos direitos e liberdades constitucionais sob o pretexto de “regulamentação da mídia” ou de “combate às fake news”. Do contrário, nós vamos tratar a doença com veneno e nesse processo sepultar a nossa democracia, esse paciente já tão combalido.

Tome-se o exemplo da notícia veiculada pela Gazeta do Povo, que supostamente induziria o leitor a erro ao apresentar o candidato Lula como apoiador do regime ditatorial de Daniel Ortega. Como bem afirmou o grave editorial do jornal, como pôde o ministro Paulo de Tarso Sanseverino afirmar que são “evidentemente inverídicas” as afirmações de que Lula apoia Ortega quando sobram comprovações factuais dessa realidade?

Ora, após as eleições da Nicarágua, em 2021, quando Daniel Ortega “venceu” prendendo e perseguindo seus opositores políticos, o Partido dos Trabalhadores, do ex-presidente Lula, não emitiu uma nota pública congratulando o ditador por sua vitória no processo, que foi qualificado pelo partido como uma “grande manifestação popular e democrática”?

Ou, para ser ainda mais direto e eliminar qualquer dúvida, como pôde o ministro simplesmente ignorar o fato público e notório de que o próprio ex-presidente Lula expressou seu apoio ao ditador da Nicarágua ao jornal El País, quando afirmou: “Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder, e Daniel Ortega não?”.

Para quem tem alguma dúvida sobre o contexto da frase, sugere-se que assista ao vídeo da entrevista, disponível na internet. É muito claro que o ex-presidente Lula efetivamente oferece apoio político ao ditador nicaraguense ao tentar justificar sua permanência no poder depois de tantos anos. E se essa realidade impõe algum constrangimento ao agora candidato Lula, paciência – não é aceitável que o TSE tente esconder esse fato do grande público sob o pretexto de manter a isonomia entre os postulantes à Presidência.

Fatos não ligam para conveniências políticas. Se Lula fez essa infame comparação entre a pujante democracia parlamentar alemã e a mofada ditadura política da Nicarágua, que agora arque com o peso e a responsabilidade de sua manifestação em todas as instâncias, inclusive na arena do debate político que se desenrola nas eleições presidenciais. E que assim ocorra também do outro lado, obviamente, com o candidato Jair Bolsonaro sendo confrontado com todos os absurdos que proferiu ou defendeu nos últimos anos.

Essa discussão acerca das nossas liberdades é certamente um dos principais temas políticos da atualidade. É inconcebível que autoridades judiciais se considerem aptas a realizar a curadoria do debate público brasileiro, qualificando como “verdade” ou “mentira” as afirmações dos vários lados interessados nas disputas políticas. Essa pretensão megalomaníaca de estabelecer um Tribunal da Verdade só resultará em menos liberdade de imprensa e, portanto, em menos verdade no próprio debate público.

Se Lula fez essa infame comparação entre a pujante democracia parlamentar alemã e a mofada ditadura política da Nicarágua, que agora arque com o peso e a responsabilidade de sua manifestação.

Postagens escandalosamente mentirosas, que inventam fatos e realizam descontextualizações grosseiras da realidade já são objeto de controle judicial no âmbito da legislação penal (injúria, calúnia, difamação), civil (reparação de danos) ou mesmo da própria legislação eleitoral (direitos de resposta). Mas não podemos jamais aceitar que juízes possam se arvorar no direito de dizer o que é realidade e o que não é e ataquem a liberdade de imprensa. A sociedade e a política são complexas demais e não funcionam em juízos definitivos e binários. Em última análise, o juízo de veracidade do noticiário deve ser colocado sob a responsabilidade dos próprios cidadãos, que têm o discernimento de fazer seus próprios julgamentos.

Aliás, é possível dar um passo além nesta reflexão. Se algum cidadão ou analista político entenda que existe um risco concreto de Lula, uma vez tornado presidente da República novamente, passar a ser um líder autoritário ou mesmo um verdadeiro ditador latinoamericano, essa pessoa deverá ter todo o direito de manifestar livremente sua visão no debate público, apresentando os respectivos argumentos – e, claro, sendo criticado por aqueles que porventura deles discordarem.

Dado o singelo fato de que o ministro Paulo Sanseverino, ou qualquer outro juiz, não são dotados de uma clarividência mística que lhes permite prever o futuro, jamais poderão afirmar a priori tratar-se de uma mentira a ser a ser defenestrada das discussões políticas.

Diante de tudo que foi falado, há, sim, um ataque contra a liberdade de imprensa. A Gazeta do Povo está sob efetiva censura. É necessário que todos os brasileiros conheçam o fato político relacionado à óbvia e inquestionável relação de “amizade” entre Lula e Daniel Ortega. Mas é ainda mais importante que todos saibam que um juiz está tentando empurrar esse fato para debaixo do tapete. E essa é a notícia mais relevante.

Marcelo Fachinello é jornalista e vereador de Curitiba pelo PSC.

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