No Brasil da atualidade, na área da saúde, vê-se o renascimento das falsas promessas que não se dobram aos argumentos lógicos. A preocupação não está nos resultados que tragam fôlego ao Sistema Único de Saúde. Em lugar disso, o apelo deve assegurar o interesse imediato – seja qual for. Preocupa-nos ver importantes setores da sociedade embarcarem nessa jornada insólita, considerando-se que saúde pública se faz com investimentos contínuos e gestão competente. Pela própria complexidade do tema, as soluções mirabolantes não têm espaço.

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Em janeiro, mais uma vez, o governo federal simplifica a questão da ampliação do acesso à saúde, atrelando-a à suposta falta de médicos. Para tanto, fez aliados entre os prefeitos recém-eleitos que, pressionados, passaram a defender a importação de profissionais. Essa foi a tônica de recente manifestação da Frente Nacional dos Prefeitos, realizada em Brasília.

Não somos contra essa medida, desde que os portadores de diplomas obtidos no exterior sejam submetidos ao Revalida. Esta é a solução para garantir o ingresso, no país, de profissionais minimamente preparados para atender nossa população, haja vista que esse exame mede com a mesma régua o candidato formado na América Latina, na Ásia ou na Europa. Entra aquele que tiver bom desempenho. Quem não passar precisa estudar mais, se preparar melhor para a labuta.

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Se no Brasil enfrentamos sérios problemas com o sistema formador de médicos, a situação não deve ser melhor em outros países. Se aqui temos dificuldades de enquadrar essas escolas e exigir mais dos egressos das salas de aula, em outros lugares ações desse tipo são impossíveis. Mas, além da importação pura e simples de profissionais, questionamos também outros pontos sobre os quais os autores da ideia não tecem comentários.

Esses médicos "importados" terão condições de trabalho reais e imediatas (infraestrutura, insumos, apoio de equipes multidisciplinares)? O paciente por eles tratado terá garantido acesso facilitado a outros exames e a leito de internação? Sem progressão funcional, com vínculos empregatícios precários e distantes dos centros de formação continuada, eles realmente se fixarão nas zonas de baixa cobertura assistencial? Quem garante que ficarão no interior para sempre?

O dilema por eles encontrado será o mesmo dos médicos formados no Brasil: podem até aceitar o desafio, mas, diante da falta de estrutura e perspectivas, buscarão abrigo nas grandes cidades, acirrando o cenário de desigualdade na distribuição dos profissionais. Os estudos mostram que contamos com médicos em quantidade suficiente para atender a nossas necessidades, mas, por causa da falta de políticas públicas, eles evitam as áreas mais pobres e o serviço público.

Esperamos que a lógica e o bom senso prevaleçam. O governo precisa entender sua responsabilidade de dotar o Estado de medidas estruturantes, sem apelar para o caminho do imediatismo midiático. A criação de uma carreira pública específica no âmbito do SUS é a saída real para o país. Afinal, o que o Brasil precisa não é da interiorização do médico, mas da assistência à saúde. Ou seja, garantir a presença de profissionais, de infraestrutura e de uma rede integrada, levando reais benefícios para a sociedade.

Roberto Luiz d’Ávila é presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).

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