Responsabilidade compartilhada
Em tempos em que o tema da sustentabilidade permeia os debates entre os diversos setores da sociedade, a diretriz estabelecida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos quanto ao encerramento dos lixões ganha força e apelo, colocando os municípios no centro desse dilema. Seria um grande avanço se as cidades brasileiras tivessem atingido essa meta em 3 de agosto. No entanto, ainda há muitos obstáculos a superar para que finalmente o lixo tenha a destinação adequada em cada um dos 5.570 municípios brasileiros.
Leia a opinião completa de Eduardo Tadeu Pereira, mestre e doutor em Educação, é ex-prefeito de Várzea Paulista (SP) e presidente da Associação Brasileira de Municípios (ABM).
O lançamento de lixo em locais que possam causar poluição ambiental é prática criminalizada pela lei de crimes ambientais desde 1998. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS, Lei 12.305/2010) só veio para confirmar aos governantes essa situação, tornando obrigatório, em um prazo de quatro anos, o encerramento de todos os lixões. O prazo terminou em 2 de agosto de 2014 e, segundo dados do Ipea, 59,6% das cidades ainda não contavam com instrumentos de destinação ambientalmente adequados, representando um total de 40% do lixo do Brasil destinado de forma incorreta. No Paraná, estima-se que 180 dos 399 municípios ainda utilizem lixões como destino final para o lixo.
Parte dos municípios que não conseguiram encerrar os lixões é de pequeno porte; eles não têm receita e, muitas vezes, nem capacidade técnica para resolver o problema sozinhos. A PNRS previa que os municípios desenvolvessem planos municipais de gestão dos resíduos para que, após aprovação pelo Ministério do Meio Ambiente, recebessem recursos da União para aplicação das metas estipuladas. Mas o que acontece é que muitos municípios não entregaram no prazo o seu plano, que, devido a suas especificidades técnicas, deve ser elaborado por um corpo técnico especializado. Mas muitas prefeituras não têm esses profissionais, e nem recursos financeiros disponíveis para pagar empresas de consultoria.
A viabilidade econômica dos aterros sanitários é maximizada quando se tem uma maior geração de resíduos, tornando-se muitas vezes inviável economicamente para municípios menores. Uma das soluções para driblar esse problema é a utilização de consórcios intermunicipais, mas ainda existem pouquíssimos exemplos de mobilização dos municípios neste sentido. As principais barreiras são observadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, devido à grande distância entre os municípios, à precariedade no transporte e à definição da localização, entre outros fatores.
A grande consequência do não cumprimento da legislação é que os lixões não apresentam nenhum tipo de controle ambiental; assim, o chorume gerado na decomposição dos resíduos pode infiltrar e contaminar o solo, o lençol freático e as águas superficiais. Além disso, os gases formados neste processo incluem o metano, um dos grandes causadores do efeito estufa. Lixões ainda são responsáveis pela proliferação de roedores, insetos e aves, sendo considerados um problema de saúde pública.
Importante lembrar que mesmo os municípios que conseguiram cumprir o prazo de eliminar com os lixões apresentam dificuldades na ampliação dos sistemas de coleta seletiva, reciclagem e compostagem dos resíduos, pois o que prevê a PNRS é que somente os rejeitos sejam encaminhados para os aterros sanitários, sendo necessário o investimento nesses mecanismos, além da logística reversa, e sempre inserindo os catadores de materiais recicláveis nestes processos. Assim, somente uma ampliação do prazo para os municípios não será suficiente se não existir uma discussão efetiva entre governo, sociedade e empresas sobre como transformar esse cenário desde a origem do problema. Além disso, não é possível pensar em uma solução única e em uma medida isolada para a questão dos resíduos sólidos, e sim uma solução construída pela realidade social.
Rafaela Limons é mestre em Engenharia Química. Nice Kaminari é doutora em Engenharia. Ambas são docentes do curso de Engenharia Ambiental da PUCPR.
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