Vivemos uma época de extremos: se por um lado a grande maioria das famílias opta por adiar a vinda do primeiro filho e verificamos, na prática, uma drástica queda da natalidade no país, por outro lado, tomamos conhecimento de uma quantidade crescente de famílias que têm optado por ter e educar um número maior de filhos, às vezes bem maior. Algumas dessas famílias chegam a ter mais de 10 filhos, número um tanto escandaloso para os parâmetros atuais. Diante deste disparate, muitos se questionam: o que levaria uma mulher contemporânea a fazer a opção por ter tantos filhos?
Em busca de resposta para esta questão pareceu-nos conveniente responder primeiramente a pergunta inversa: quais são os fatores que levam a maioria das mulheres contemporâneas a adiarem tanto a maternidade e a terem nenhum ou tão poucos filhos? Três fatores pareceram ser decisivos para esta questão. Primeiro, a mulher contemporânea tende a colocar a esfera profissional acima de todas as demais, como se fosse o único caminho possível para sua própria realização. Somos criadas e educadas para trabalhar fora, para nos realizarmos profissionalmente, para sermos mulheres independentes e não mais para sermos boas mães.
Existe uma cultura de desvalorização da maternidade e de todo o trabalho relacionado a ela – o trabalho de cuidado e o trabalho da casa.
Não obstante, a maternidade permanece como um desejo a ser realizado, em algum momento, na vida da maioria das mulheres. Na prática, a conciliação dessas realidades é um grande desafio, os sonhos e os desejos se mostram, em muitos casos, contraditórios. E quando a maternidade finalmente acontece, gera na maioria das mulheres um turbilhão de sentimentos, por vezes confusos e antagônicos: dificilmente consegue-se atender a tudo com competência e excelência, surgem sentimentos de culpa, de ansiedade, de impotência e de insatisfação, muito comuns na mulher atual.
Paralelamente existe uma cultura de desvalorização da maternidade e de todo o trabalho relacionado a ela – o trabalho de cuidado e o trabalho da casa. São trabalhos pouco reconhecidos socialmente e com inúmeras repercussões pessoais para a mulher. Uma coisa acaba gerando a outra: a invisibilidade do trabalho doméstico e a falta de reconhecimento público desse importante serviço social acaba por levar a maioria das mulheres a responderem com um repúdio a essas realidades. Mas seria esse o melhor caminho? Não estaria a mulher abandonando uma esfera que lhe é muito cara em busca de reconhecimento e da tão desejada realização pessoal?
Por último, a existência de uma cultura materialista e consumista tem levado tanto mulheres quanto homens a colocarem a finalidade das próprias vidas nas coisas e não nas pessoas. A influência dessa mentalidade é muito sutil, mas suas implicações são profundas. A exigência de um padrão de vida muito mais elevado tornando crescente o desejo de possuir cada vez mais coisas – imóveis, investimentos, viagens, roupas, brinquedos – unida ao alto custo de serviços, como de babás e escolas, torna, por vezes insustentável um orçamento familiar que abarque uma família com mais de 3 ou 4 pessoas. A geração atual tem muitas coisas e pouco tempo para poder cuidar de tantas coisas e ainda incluir mais pessoas, acaba por fazer uma escolha: mais coisas e menos pessoas.
Todos esses desafios exercem uma influência real sobre a maioria das mulheres, todos eles merecem serem alvo de reflexão e também objeto de políticas para mulheres, famílias e primeira infância. No entanto, a mulher contemporânea é uma mulher com muito mais possibilidades: tem todo um panorama de caminhos à sua frente, pode escolher ser e realizar o que bem entender. Mesmo assim, parece ser uma mulher muito mais infeliz, insatisfeita e descontente. Vale refletirmos sobre os anseios mais profundos do coração humano e da mulher para compreendermos melhor o atual cenário.
O desejo de felicidade é um desejo muito presente no coração humano de forma geral, e dentro de uma visão antropológica personalista a pessoa se realiza e alcança a sua felicidade existindo em relação ao outro e não em relação às coisas. Somos mais ou menos felizes na medida em que nos abrimos aos demais, na medida em que amamos e somos amados.
A maternidade é um traço feminino diretamente relacionado a realização da mulher, mesmo que esta nunca seja mãe. A maternidade é uma vocação, um chamado a abrir-se aos outros, a entregar a própria vida. A mulher encontra a sua realização pessoal na medida em que é capaz de fazer da sua vida doação e entrega – atenta, generosa, firme, amorosa, acolhedora e concreta – aos que estão ao seu redor. Neste sentido, em todos os âmbitos – familiar, social, profissional, político – é possível essa realização através do exercício desse dom sincero de si mesma.
A mulher contemporânea é plenamente capaz de ir além da cultura atual e de dar uma resposta pessoal e única sobre como irá realizar a própria vida. Aquelas que possuem um espírito de reflexão sobre a vida e as realidades que a cercam, sobre os anseios sinceros do coração humano, aquelas capazes de construir um relacionamento conjugal onde haja respeito, cumplicidade e amizade, aquelas que descobrem que a realização pessoal está principalmente no amor que colocam em servir aos demais, aquelas que descobrem a grandeza do serviço que prestam a sociedade ao educar bem os próprios filhos, essas mulheres são mulheres contemporâneas que tem à sua porta muitas possiblidades.
São mulheres que por sua inconformação e audácia estão dispostas a quebrar paradigmas gerando e educando mais filhos do que o comum. Escolher ter uma família numerosa é um caminho possível e maravilhoso, não é o único, mas poderia ser o de muito mais mulheres que não veem nesse caminho uma possiblidade.
Lígia Miranda de Oliveira Badauy é mãe de sete filhos, cientista política e especialista em família.
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