Apoiador do Partido Comunista Russo carrega uma bandeira com retratos dos ditadores comunistas Stalin e Lenin após uma cerimônia no Mausoléu de Lenin, para marcar o 104º aniversário da Revolução Bolchevique, na Praça Vermelha, em Moscou, Rússia, 07 de novembro de 2021. A Revolução Bolchevique destruiu o Império Russo, criou a União Soviética, e estabeleceu um regime totalitário comunista por 74 anos.| Foto: EFE/EPA/MAXIM SHIPENKOV
Ouça este conteúdo

Em uma era dominada por dicotomias ferozes, o cenário político atual transforma-se em uma arena de acusações recíprocas, onde aqueles que se autodenominam defensores da liberdade, sob a bandeira da esquerda, erguem seus dedos em tom acusatório contra seus oponentes ideológicos, rotulando-os indiscriminadamente de fascistas. Esse hábito, enraizado numa ânsia de validar a própria moralidade, ignora o paradoxo trágico que permeia essa narrativa: tanto o comunismo quanto o fascismo e o nazismo são expressões de um mesmo impulso totalitário, que, embora por caminhos distintos, convergem na centralização do poder e na aniquilação do indivíduo em prol de um ideal coletivo.

CARREGANDO :)

Isso porque, a despeito dos discursos e dos símbolos, essas doutrinas, na prática, utilizam o mesmo alicerce de autoritarismo e supremacia do Estado para justificar uma ordem absoluta, onde a liberdade é relegada a um plano secundário, substituída por um projeto coletivo intransigente que se impõe como a verdade única. A diferença reside apenas na estética e nos argumentos superficiais que cada uma dessas ideologias apresenta; mas, no âmago, fascismo, comunismo e nazismo compartilham a mesma disposição em sacrificar a autonomia individual e a pluralidade, traindo as promessas de liberdade e igualdade ao submeter o indivíduo ao aparato do Estado.

No fim das contas, comunismo, fascismo e nazismo são faces distintas de uma mesma moeda: são expressões do desejo de centralizar o poder, eliminar a diferença e instituir uma ordem que desconsidera o valor do indivíduo

Publicidade

Bom, ao se firmarem como porta-vozes de uma moralidade revolucionária, muitos adeptos de ideologias de esquerda assumem a postura de juízes, atribuindo ao outro lado uma natureza essencialmente tirânica e fascista, como se a essência do mal residisse exclusivamente em seu oponente. No entanto, ao apontarem o dedo e nomearem os outros como inimigos da liberdade, esses indivíduos esquecem que as ideologias que defendem também trazem consigo o peso de histórias marcadas pela violência, pela repressão e pela negação das liberdades mais básicas.

Essa tendência de desumanizar o adversário é, em essência, uma ferramenta de controle, que projeta no outro aquilo que não se deseja enxergar em si mesmo. Quando o discurso do "bem contra o mal" toma forma, é fácil relegar ao inimigo a personificação de tudo o que é desprezível, afastando-se da possibilidade de autocrítica e perpetuando uma narrativa que ignora as semelhanças estruturais entre as ideologias. Tal como o mito de Narciso, os autointitulados guardiões da liberdade, em sua obsessão por diferenciar-se, acabam sendo consumidos pela imagem de sua própria virtude, refletida no espelho das suas acusações. Assim, o resultado é uma cegueira trágica, onde o inimigo passa a ser uma projeção conveniente dos próprios vícios, uma externalização dos impulsos autoritários que residem latentes em todas as ideologias totalitárias.

Ao desconsiderar as próprias contradições, o discurso da esquerda e do comunismo que demoniza a direita como fascismo ou nazismo sem distinguir nuances e contextos, transforma-se numa versão moderna do tribunal inquisitorial, onde qualquer oposição é tratada como heresia política. Esse reducionismo ideológico obscurece a verdade fundamental de que todas as ideologias totalitárias compartilham a mesma estrutura de poder e repressão, independentemente de suas bandeiras.

No comunismo, a promessa de uma sociedade igualitária muitas vezes resultou na imposição de um regime em que a dissidência era sufocada e o indivíduo subsumido ao coletivo; no nazismo e no fascismo, o indivíduo também é negado, o poder centralizado, e a divergência, obliterada. Por sua vez, o fascismo, assim como o comunismo, encontra sua sustentação na exaltação de um coletivo absoluto e de um governo central que detém o poder sobre todos os aspectos da vida humana. Todas essas vertentes, ao final, negam a multiplicidade e a liberdade individual, em nome de uma ordem supostamente ideal.

Portanto, essa dinâmica polarizada de acusações e julgamentos entre esquerda e direita nos revela, na verdade, uma peça de teatro trágico, onde cada lado busca justificar sua narrativa e seu controle sobre a realidade. O hábito de acusar o outro lado de fascismo, como se o mal estivesse unicamente do lado oposto, é uma forma de evitar o confronto com as próprias imperfeições e de manter uma postura de superioridade moral, ignorando a opressão praticada em nome do próprio ideal.

Publicidade

Essa postura recorre a uma lógica maniqueísta que, ao simplificar a complexidade da política e da sociedade, fomenta o ódio e a segregação. Cada lado se fortalece na negação do outro, e o resultado é a ausência de diálogo, a criação de um ambiente onde a diversidade de pensamento é constantemente ameaçada. Na busca por eliminar o "inimigo", cada ideologia totalitária se vê reduzida a um mesmo fim: o esmagamento do indivíduo sob o peso de uma verdade única imposta, ainda que sob discursos de liberdade e justiça social.

No fim das contas, comunismo, fascismo e nazismo são faces distintas de uma mesma moeda: são expressões do desejo de centralizar o poder, eliminar a diferença e instituir uma ordem que desconsidera o valor do indivíduo. Assim, a tragédia reside no fato de que essa luta incessante entre esquerda e direita, ao invés de promover a diversidade e a democracia, reforça o ciclo de controle e uniformidade. Deste modo, a acusação constante de "fascismo" torna-se, assim, um instrumento de dominação que permite à esquerda autoritária evitar a responsabilidade histórica de seus próprios excessos.

O indivíduo moderno, bombardeado por essas acusações e preso em um cenário de divisão, vê-se obrigado a escolher um lado sem perceber que, no final, o custo de sua escolha pode ser sua própria liberdade. Por fim, é como se estivéssemos todos em um grande coliseu como gladiadores, onde cada lado aponta para o outro com desdém e ódio, sem se dar conta de que ambos compartilham a mesma essência totalitária e a mesma disposição em transformar a sociedade em um reflexo da sua própria visão estreita e inflexível.

Maria Eduarda dos Santos Vargas, graduanda em Direito, é diretora de Comunicação do Instituto Atlantos e integra a gestão do grupo de estudos Lei & Liberdade na FMP.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
Publicidade