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Fatiar é jogar contra uma reforma ampla do caótico sistema tributário brasileiro 

reforma tributária
Diferença nos modelos de reforma tributária propostos pode gerar efeitos bastante diversos. (Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo/Arquivo)

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O projeto de reforma tributária está em xeque desde que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), dissolveu a comissão da PEC 45, apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e construída pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) da FGV. O encerramento da comissão se deu após a leitura do texto do relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), alinhado com os desejos de uma reforma ampla do consumo. O texto extingue cinco tributos sobre o consumo (IPI, ICMS, ISS, Cofins e PIS) e os unifica em um só, nos moldes de um imposto sobre valor agregado (IVA), o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Atualmente, o Brasil é um dos países que mais gasta horas no mundo com gestão de tributos. Figura na 184.ª posição em um ranking com 190 nações. As empresas brasileiras perdem, em média, 1.501 horas por ano cuidando de obrigações relacionadas a tributos, segundo o relatório Doing Business, compilado pelo Banco Mundial. A maior parte do tempo é gasta com tributos sobre o consumo. São 885 horas por ano, pouco mais de um mês inteiro. No geral, o dispêndio dos pagadores de impostos brasileiros é cinco vezes maior que a média registrada pelos países da América Latina e Caribe.

A cada ano o Brasil perde ao menos R$ 240 bilhões por causa do seu sistema tributário caótico, estima o Movimento Brasil Competitivo (MBC). A dificuldade também gera embates com o Fisco. As disputas administrativas e judiciais nos municípios, estados e União somam cerca de R$ 5 trilhões. Uma cifra que equivale a 73% do PIB brasileiro e supera o valor de mercado das 328 companhias listadas na bolsa de valores, aponta um levantamento publicado pelo portal G1. São números exorbitantes que mostram como o custo excessivo compromete a produtividade, mina a competitividade e afasta o investimento estrangeiro. Para o empresário de pequeno porte, funciona como um freio à expansão dos negócios; para o país, afeta a geração de emprego, renda e arrecadação.

As companhias ficam imersas em uma grande confusão, pois precisam pagar alíquotas diferentes e em datas diversas. O transtorno é agravado pela chamada “bitributação” e o “efeito cascata”, com a cobrança de imposto sobre imposto. Como resultado, o valor do produto fica mais caro, situação que onera principalmente o consumo das famílias de classe mais baixa. Diferentemente do Imposto de Renda, os impostos sobre o consumo são cobrados da mesma maneira para toda a população.

Não há nada que deponha em defesa do atual sistema tributário. É consenso que o Brasil precisa de uma mudança profunda. Os impostos são altos (35,21% do PIB), é difícil de entender o que se está pagando e o retorno para a população deixa muito a desejar. Em um ranking dos 30 países com a maior carga tributária, o Brasil aparece em último lugar no quesito retorno em serviços de qualidade aos cidadãos. A constatação é do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), que desenvolveu o Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes). O Brasil ocupa a última posição, ficando atrás dos vizinhos Uruguai e Argentina. Lideram a lista – ou seja, países com carga tributária mais alta, mas que devolvem bom serviço público – Irlanda, Estados Unidos, Suíça, Austrália e Coreia do Sul.

Não há sistema tributário perfeito. Porém, é possível encontrar uma boa saída observando os problemas enfrentados pelo Brasil e os exemplos de outros países. Com isso em mente, temos alguns pontos de partida bem estabelecidos. O modelo deve ser o mais neutro possível sobre a atividade econômica e onerar o mínimo possível os cidadãos, sem privilegiar setor ou segmento específico em detrimento do resto. Deve evitar uma profusão de tributos e de alíquotas. Simplicidade, clareza e objetividade são requisitos básicos para racionalizar a estrutura. Também é importante a revogação de portarias e procedimentos administrativos que burocratizam o trabalho. Afinal, é preciso ter respeito com o tempo de indivíduos e empresas. O resultado desse novo arranjo será promissor. Um estudo do Endeavor mostra que o tempo gasto pelas empresas com a gestão de tributos relacionados a bens e serviços poderia cair em 68% com isso.

Hoje, 168 países adotam um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) que unifica os impostos cobrados do consumidor. Essa modalidade é referência na Europa, na Ásia e no Canadá, por exemplo. Nas cinco maiores economias mundiais, somente os Estados Unidos não possuem esse imposto. No federalismo norte-americano, cada estado cobra um imposto de consumo próprio ao fim da cadeia produtiva. Este modelo funciona no país em que não recolher tributos devidos redunda em prisão, o que não é realidade na maior parte do mundo, menos ainda no Brasil.

Aqui, convive-se com cinco impostos com alíquotas e prazos diferentes sobre o consumo. Eles são pagos a diferentes esferas do governo. O Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) são federais. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é estadual, e o Imposto Sobre Serviços (ISS) é municipal.

A ideia original da PEC 45, proposta que condensa o que há de estado da arte em termos de IVA no mundo, é extinguir os cinco tributos e, no lugar deles, criar um imposto unificado: o Imposto Sobre Operações com Bens e Serviços (IBS). Esse tipo de tributo tem como benefícios a transparência, a isonomia e a igualdade, além de reduzir a regressividade do sistema.

Pelo que se observa nos corredores de Brasília, a mudança no sistema de impostos depende de acordo político e, fundamentalmente, da entrada do governo federal no debate. Enquanto os secretários estaduais da Fazenda defendem uma reforma que extinga o ICMS e reúna todos os impostos de consumo em um só, o governo federal tenta se desvencilhar do ônus político de uma reforma mais profunda e, quando fala em IVA, tenta emplacar um IVA dual. Seria iniciado com a fusão do PIS e da Cofins numa Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Na sequência, seriam feitas alterações no IPI e nos impostos seletivos, no Imposto de Renda de empresas e nos dividendos. Por sua vez, forças com influência na presidência da Câmara dos Deputados buscam a criação de um “passaporte tributário” para permitir a regularização de impostos não recolhidos.

O amadurecimento desse quadro será vital para que o Brasil tenha um melhor ambiente de negócios, facilitado por um sistema tributário mais simples e eficiente.

Uma reforma que não acabe com o ICMS e suas excrescências (como a substituição tributária e o diferencial de alíquota) e não abarque os serviços não é uma reforma tributária. Fatiar não é a melhor maneira de chegar a esse objetivo. Discutir a reforma tributária em partes é uma péssima ideia. Todo o ganho que o país poderia ter com um sistema mais simples e ágil, sem tanta dor de cabeça para os pagadores de impostos, gerando um salto de produtividade, pode ser perdido.

Só interessaria ao governo e ao Congresso aprovar uma tímida reformulação, somente com a CBS. Assim poderiam dizer que avançaram na matéria quando, na verdade, ficariam sem enfrentar a questão de fundo: os grandes desafios que fazem nosso sistema ser caótico, alicerçado em imposto em cima de imposto. Ficaria a Constituição de 1988 com os mesmos problemas que ela recebeu na Constituinte e que não foram sanados desde então, e que legaram ao Brasil o pior sistema tributário do planeta.

Um problema que deveria ser enfrentado por meio de uma PEC ampla não pode ser reduzido a um projeto desfigurado, dilapidado em meio aos interesses difusos e incapacidade de atacar os pontos nevrálgicos que fazem do Brasil um dos piores países do mundo na gestão de tributos. Temos de ficar atentos para não deixar que essa janela de oportunidade seja fechada.

Já a questão da carga tributária está intrinsecamente vinculada à despesa pública. Há desperdícios imensuráveis na estrutura do Estado brasileiro, além dos desvios e da corrupção. Uma reforma mais abrangente deve aliar um novo modelo tributário com reestruturação administrativa. O país precisa de uma contenção e redução do gasto público. Mas isso é tema para artigos futuros.

Douglas Sandri, graduado em Engenharia Elétrica, é presidente do Instituto de Formação de Líderes (IFL) de Brasília e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados.

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