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Empreendi pela primeira vez no Brasil em 1978. Era um jovem cheio de sonhos e, aos 34 anos, deixava uma carreira vitoriosa e me arriscava num mundo novo: os computadores ainda eram algo distante, mas pareciam promissores. Nesses 43 anos como empreendedor, posso me considerar bem-sucedido, liderei duas empresas que fizeram IPO na bolsa de valores (a Datasul em 2006 e a Neogrid em 2020), e testemunho o quanto o ambiente de negócios do Brasil não estimula a abertura e crescimento de novas empresas. Temos muitas empresas que cresceram e ajudaram a desenvolver o país, mas poderíamos ter muito mais se não fosse a realidade tributária, ou o que eu e meu amigo Luiz Carlos Hauly –parceiro no Destrava Brasil, coautor do livro Não dá mais para postergar! e outro incansável guerreiro pela reforma tributária – chamamos de “manicômio tributário”.
A base dos meus negócios me possibilitou ter um contato direto e prático com a questão dos impostos. Tal conhecimento me gerou um convite do antigo governador de Santa Catarina Luiz Henrique da Silveira para pensar numa possível solução para algumas amarras tributárias do estado. À visão de desenvolvimento de sistemas agreguei os conceitos da Teoria das Restrições que me são tão caros, apresentei uma solução para ele e iniciei minha caminhada na tentativa de contribuir com a melhora do ambiente de negócios do Brasil.
Por que fazer algo assim? Para retribuir um pouco da educação pública de qualidade que obtive, e por acreditar que empresas são os vetores de desenvolvimento e inovação e precisam de condições para prosperar. Essas condições, no entanto, não existem no nosso país, refém da sempre presente necessidade das instâncias governamentais de se financiarem por meio de impostos e da recorrente guerra tributária entre estados e entre níveis de governo, onde só se ganha no curto prazo, mas, no longo prazo, nos isolamos do mundo e crescemos menos, mantendo nossa sociedade desigual.
A tecnologia permite que o pagamento dos tributos aconteça no mesmo instante do pagamento das faturas de compra dos produtos e serviços, simplificando processos, evitando sonegação, descasamento de fluxo de caixa e, depois, contestações judiciais e custos de cobrança. Lancei em 2017 o livro Devo, não nego, pago quando receber, em que apresento esse modelo de cobrança e mostro como o foco nos efeitos indesejados (e não nas causas-raiz) e o fato de todos os agentes pensarem apenas no seu “ótimo local” têm nos impedido de fazer qualquer reforma e nos condenam a seguir nesse processo autodestrutivo.
Aliás, esse embate entre “ótimo global” e “ótimo local” merece ser aprofundado. Elyahu Goldratt, em seu best-seller A meta, falou sobre essas diferenças e virei quase um missionário desses conceitos. Não canso de dizer que, quando se escolhe uma área e se pensa em otimizar algo nela, haverá um efeito indesejado fora dela. A melhor ilustração disso é o ar-condicionado: esfria de um lado (efeito desejado), mas esquenta do outro (efeito indesejado, principalmente se há alguém passando perto da tubulação). Se cada estado ficar defendendo sua posição, nunca chegaremos ao “ótimo do Brasil”.
Quando Hauly – mentor da PEC 110 que foi apresentada no Senado – e eu lançamos o Não dá mais para postergar!, pensei que finalmente nos aproximávamos da reforma. A PEC do Senado incorporava o modelo Abuhab de cobrança 5.0; a PEC 45 da Câmara não. Tínhamos no livro prefácio dos presidentes da Câmara e do Senado, a comissão mista prometia alinhar os pontos e, inclusive, um dos capítulos do nosso livro era exatamente sobre a possibilidade de convergência das duas propostas.
Mas a política tem das suas artimanhas, que assumo não conhecer, ainda que tenha segurança sobre a premente necessidade de reforma e a importância de ela alterar de vez a complexidade tributária e liberar o país para o crescimento e a inovação, em vez de apenas mirar o orçamento dos próximos anos. Já fiz centenas de palestras para autoridades, entidades, universidades, não é hora de desistirmos. Se é inevitável fazer uma reforma em fatias, é imperativo que saibamos o todo, de quantas fatias estamos falando, e alinhar a evolução de forma organizada e buscar mais adesões para as fatias seguintes.
Do jeito como tudo está sendo apresentado, parece que no Brasil estamos confundindo fatias com migalhas. Aprovar um “ajustezinho” agora porque é possível pode nos custar anos de permanência nesse verdadeiro manicômio; é condenar empresas a não prosperarem e cidadãos a viverem em condições não dignas. Migalhas na alimentação não saciam fome, nem alimentam; na questão tributária, são sobras insuficientes para gerar alguma ação transformadora. A questão merece prioridade e o momento tem de ser agora: um país destravado é a melhor ajuda que a economia pode dar para superarmos esse enorme desafio da Covid.
Miguel Abuhab é engenheiro, empresário e criador do modelo Abuhab de cobrança tributária.