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Corporações dão pouco valor à avaliação do fator humano em suas matrizes de risco. Ao recrutar executivos para posições-chave de sua gestão sem avaliar seu perfil comportamental, podem colocar em xeque sua saúde financeira e até mesmo sua existência. Essa, porém, é a tônica do mercado. Executivos sempre são contratados com base em seus currículos, enquanto suas demissões devem-se, em 90% dos casos, a comportamento e não à falta de conhecimento. Empresários, acionistas e conselheiros dão pouca ou nenhuma atenção a esse aspecto, baseando o recrutamento apenas na capacidade profissional, sem atentar para o comportamental, incluindo o caráter, mesmo quando o noticiário revela grandes corporações ameaçadas por atos escusos e ilegais de seus líderes.

A última pesquisa Perfil Comportamental dos Executivos demonstra um crescimento do número de executivos que exibem desvio de caráter. De 3,5 mil profissionais que ocupavam cargos de comando em médias e grandes corporações no país entre 2014 e 2017, 27% demonstram considerável potencial para desvio de conduta, o que resulta em riscos para as empresas onde atuam. A pesquisa anterior, de 2013, apontava que 20% das 5 mil avaliações identificavam esse perfil.

A grande maioria dos processos de seleção não tem metodologias que identifiquem desvios de caráter e conduta

A grande maioria dos processos de seleção e entrevistas estruturadas não tem metodologias que identifiquem desvios de caráter e conduta, particularmente no caso de executivos. Esses normalmente apresentam alto nível de inteligência cognitiva, o que favorece a elaboração de meios para obterem o que almejam. A manipulação vem como decorrência desse processo, por exemplo, com o uso de demasiada simpatia para a conquista de objetivos pessoais no ambiente profissional.

Para identificar perfis comportamentais é preciso lançar mão de um conjunto de ferramentas psicológicas. A avaliação deve ser totalmente técnica, independente da percepção do entrevistando, ficando a cargo dos especialistas em comportamento, que terão o diagnóstico a partir da interpretação dos resultados. A partir daí, pode-se identificar motivações e valores, padrões de pensamento e julgamento e estrutura da personalidade que definem os processos decisórios.

No estudo, são considerados desvios comportamentais características como ambições pessoais desmedidas, conflitos de interesse com a função exercida em busca de ganhos pessoais, e condutas moral e ética. Dentre os atos praticados por executivos com desvio de caráter figuram maquiagem de resultados, apropriação indébita de valores financeiros, manipulação de dados e pessoas para atendimento a interesses individuais e outros comportamentos que resultam em uma cultura organizacional permissiva, em que controles são fragilizados e a própria corporação é colocada em xeque.

Leia também:Punir crimes ou impedir que ocorram? (artigo de Gustavo Scandelari, publicado em 30 de junho de 2015)

Leia também:Integridade não custa caro; corrupção sim (artigo de Edson Campagnolo, publicado em 11 de março de 2016)

Além do risco resultante da contratação deste tipo de executivo, algumas empresas relutam ao decidirem pelo desligamento, mesmo quando tais práticas já foram percebidas; a justificativa que alguns CEOs utilizam é a de que esses profissionais trazem resultados para o negócio. Ora, se há desvio de conduta comprovado pela auditoria, uma ação imediata e contundente deveria ser a ordem e não uma discussão. Até porque, com certeza, outras pessoas da organização sabem deste desvio de conduta. Desta forma, a mensagem que se transmite é a de que tudo é permitido, desde que se traga resultados.

Há um estímulo à impunidade. Por ocupar um cargo importante, alguns executivos acreditam que podem tudo e que não serão denunciados. É um reflexo de problemas que a nossa sociedade tem. Muita gente acredita que o poder é um salvo-conduto para se fazer o que quiser. A sociedade, de certa forma, endossa isso.

Susana Falchi é vice-presidente da Orchestra Soluções Empresariais.
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