Nino Fontana e Lydio Paulo Bettega, duas figuras centrais do industrialismo paranaense dos anos 50/60, tiraram férias e fizeram uma viagem pelo Mediterrâneo em um navio de luxo. Não confundir, jovem leitor, com um cruzeiro turístico, destes que hoje em dia fazem o encanto da classe média no mundo todo. Viagens nos navios de luxo daquela época eram povoadas de magnatas que vestiam smokings para jantar acompanhados de mulheres vergadas pelo peso das jóias. E lá estavam os dois paranaenses entre eles, fazendo o que os ingleses esnobes classificam como "rubbing shoulders with the gentry", se misturando com a gente fina... A horas tantas, no salão de fumar, começaram a conversar sobre negócios e Fontana e Bettega observavam os companheiros de roda falando das "minhas siderúrgicas", das "minhas indústrias químicas", dos "meus hotéis" num ar de displicência, quando um italiano perguntou: "E lei, Signore Fontana, que negócios tem?" E Nino, sem faltar à verdade, já que entre suas propriedades estava o Auto-Posto São José da Avenida República Argentina, respondeu: "Meus negócios são com petróleo!". Um ar de admiração respeitosa perpassou o ambiente. "E lei, Signore Bettega?" pergunta outro italiano. Lydio, com um ar de estudado descaso, explica que seus negócios eram na área da indústria madeireira, das fazendas... O italiano queria detalhes: "Mas que tamanho têm suas fazendas, Signore Bettega?". E Lydio impávido chutou um número fabuloso de hectares. O magnata, visivelmente impressionado, exclamou: "Madonna, é maior que a superfície da Itália!". Se a história "non é vera, é bene trovatta" e era contada às gargalhadas por Nino Fontana, uma figura pelo qual sempre tive grande carinho e admiração.

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O lucro das fazendas do senador Renan Calheiros vai acabar despertando reações semelhantes: "Madonna! São mais produtivas que o King’s Ranch do Texas!" "Madonna! São mais lucrativas do que o Friboi!".

Ironias à parte, o episódio Renan Calheiros está tendo um caráter emblemático na política brasileira e, ao mesmo tempo, leva a meditar sobre aspectos fundamentais da vida pública: a natureza e extensão dos relacionamentos entre os que representam o Estado e as empresas e empresários que trabalham para ele; e os limites entre a vida pública e a vida privada das pessoas. É mais do que evidente que o senador Renan Calheiros está na berlinda não por um episódio de sua vida pessoal, cuja discussão e solução devem estar restritas à sua esfera familiar e sim porque, aparentemente, aproveitou-se de suas conexões como homem público para que um empreiteiro amigo o auxiliasse a arcar com os ônus financeiros de seu problema pessoal.

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No entanto, na defesa que se faz da ampla apuração dos fatos, vejo nos jornais a afirmação de que "pessoas públicas não têm vida privada" e que, portanto, todos os detalhes de sua conduta privada podem, sim, ser escarafunchados para satisfazer o desejo de saber e a curiosidade do público em geral. Um exemplo recente é o do cantor Roberto Carlos, que foi à justiça para impedir a publicação de uma biografia que, segundo ele, invadia sua esfera privada. Ato contínuo, alguns bradaram: "Censura! Censura!". Não penso assim. Acho que Roberto Carlos, se fosse menos esquisito, poderia até ter enfrentado a publicação do livro com esportividade. Mas ser esquisito é direito dele, na medida em que sua esquisitice não transborde os limites pessoais e não prejudique ou onere o público. Não me parece que satisfazer a curiosidade do público sobre o acidente que o mutilou ou a doença que matou sua mulher seja sua obrigação. E nem que privar o público desses detalhes afete qualquer dos direitos fundamentais da cidadania deste último.

O enterro de François Mitterand revelou ao mundo a existência de sua segunda família, que era bem conhecida do mundo jornalístico e político, mas que permanecia fora das manchetes. pois Mitterand nunca misturou a sua intimidade com os negócios governamentais. O general Dwight Eisenhower, comandante dos aliados na invasão da Normandia, e depois presidente dos Estados Unidos, manteve uma longa ligação amorosa com sua assistente e motorista durante a Segunda Guerra e seu caso de amor, embora bem sabido de jornalistas e políticos, nunca veio ao conhecimento do público em geral enquanto era vivo.

Se Eisenhower, por exemplo, tivesse faltado à reunião que confirmou que a invasão da Normandia seria feita apesar das incertezas do tempo porque estava exausto após uma longa noite de amor, o assunto seria público. Como isso não aconteceu, o deslize do general era um problema para ele resolver com a mulher, Mamie Eisenhower.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor universitário.