Quem entra em uma livraria surpreende-se logo pelo elevado número de livros de autoajuda. Nunca se escreveu tanto acerca desta temática. E as vendas estão sempre no topo. Sucesso, autodomínio, êxitos, conquistas e realizações pessoais. Frases, experiências dos vencedores, narrativas laudatórias preenchem muitas páginas. E com grande frequência o nome de Deus é associado às mais triunfais venturas.

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Se esse mercado é próspero, é porque a demanda é crescente. Na dinâmica competitiva todos nós somos induzidos a mergulhar no ritmo dos vencedores. Não se trata de apontar erros neste processo cultural, mas de despertar para que não sejamos enredados por rumos e ritmos que podem ameaçar nossos relacionamentos e golpear outras dimensões da vida. Penso que todos já vimos e ouvimos filhos ou pais a dizer, com dor, que falta tempo ou serenidade para os afetos familiares. E, quando isso é possível, então é o consumo a invadir os desejos.

Quando os anseios pessoais se sobrepõem aos da vida comunitária, os companheiros são também concorrentes

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Esta observação aflorou-me à mente ao ler os versículos do evangelho deste domingo (Mc 10, 35-45). Jesus e seus discípulos estavam a caminho de Jerusalém. Sabe o leitor o que haveria lá: a cruz e a ressurreição. Partindo apenas do olhar humano, a primeira aponta para o fracasso; a segunda salienta a vitória. No caminho, dois discípulos interpelam Jesus com uma espécie de reivindicação: “Mestre, queremos que nos faças o que te pedimos” (10,36). Eram discípulos já de longa data. Somos levados a pensar que sabiam o que significa ser discípulo. Porém, o tom da frase revela mais exigência do que diálogo: “Queremos que nos faças...” Parece que comandam.

Observemos o que pedem: “Concede-nos, na tua glória, sentarmo-nos um à tua direita e outro à tua esquerda” (10,37). Na glória e nos triunfos estão interessados. Movem-se. Buscam. Pedem. É curioso que apenas algumas linhas antes o assunto de Jesus com eles fora a cruz e a ressurreição. Mas eles abordam somente participar da “glória”. O evangelista se mostra crítico a tais formas de seguimento. Não pretendiam eles seguir no caminho de Jesus. Queriam, sim, servir-se do seguimento para alcançar formas de grandeza que atendiam as suas vaidades.

Os outros dez discípulos insurgiram-se contra aqueles dois (10,41). Não por causa da insensatez do pedido; também eles tinham os mesmos interesses. E custava-lhes ficar em alguma outra posição que não a primeira. Quando os anseios pessoais se sobrepõem aos da vida comunitária sempre, e em todos os tempos, os companheiros são também concorrentes.

Por estes caminhos qualquer linguagem e opção de ética comunitária será torpedeada por aquelas vias nas quais a grandeza humana gravita em torno de conquistas e êxitos. E até o nome de Deus é invocado para tais ambições. Há o risco de invocar o nome do Deus verdadeiro em vista de aspirações de riqueza ou de poder. É a isso que chamo de religiosidade egocêntrica. Deus deixa de ser quem é e, deformado por egoísmos, passa a ser uma falsa divindade que abençoaria a desigualdade.

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Termino com um questionamento, válido sempre: em qual Deus eu creio: naquele revelado por Jesus Cristo? Ou naquele a quem quero obediente às minhas preferências?