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Federalismo, descentralização e localismo (subsidiariedade) são a melhor forma de agir contra o vírus. Em um sistema descentralizado, cada prefeito decide o que fazer. Assim temos tentativas e modelos diversos e veremos qual funciona mais e terá emulação/convergência. É o que a literatura cientifica chama de “concorrência institucional”.
Se a União decidir para todos, pode acertar, mas pode errar. E, se errar, erra para 200 milhões de pessoas. O dano será enorme! Além disso, para as próprias pessoas é relativamente mais fácil se mudar de um município para outro do que mudar de país caso, por exemplo, discordem da política pública e se se sintam em risco.
A União e os estados deveriam, no máximo, ficar à disposição dos municípios caso solicitado e fazer compras (de equipamentos, por exemplo) sob demanda dos entes locais, para ter econômicas de escala.
Temos um país que, pelo menos no papel, é federalista. Vale a pena se aproveitar disso.
Um exemplo norte-americano: na gripe espanhola de 1918, a cidade da Filadélfia menosprezou os primeiros casos de contágio e fez quarentena tardia. Ao contrário, a cidade de Saint Louis fez uma quarentena imediatamente e conseguiu “achatar a curva” e ter um número de mortos muito menor (até em proporção). Talvez hoje tenhamos ferramentas melhores que a quarentena total, mas a forma de descobri-lo é sempre a concorrência institucional.
De alguma forma, é isso o que acontece ao nível global. Temos centenas de países que estão tomando algumas medidas iguais e algumas diferentes. Desta forma, estamos podendo observar o que dá certo e o que não funciona. Ninguém quer ser a Itália; todo mundo quer ser a Alemanha e a Coreia do Sul. Se as decisões fossem centralizadas ao nível supranacional e se algum tipo de governo mundial decidisse por todos, o mundo inteiro poderia ser a Alemanha – mas também poderia ser a Itália.
Claro, há hoje uma briga política entre Bolsonaro, governadores e prefeitos, mas isso não muda a substância da coisa e não muda as evidências da ciência política; muito pelo contrário. Se deixamos a eles a liberdade de decidir, fica com eles também a responsabilidade pelas próprias ações, e não será possível depois jogar as mortes e/ou o desastre econômico no colo da União.
Ninguém sabe 100% qual o conjunto de medidas melhores, ex-ante. É um processo de tentativa e erro: as medidas melhores emergem e são descobertas ao longo do caminho. O conhecimento não está em algum lugar “já lá”; não se trata de colocar a pessoa certa, que sabe o que fazer, no comando; não se trata de lembrar em qual gaveta colocamos a receita. Porque não se sabe qual a receita. O conhecimento é difuso e não é centralizado, é descoberto ao longo do processo.
Adriano Gianturco é coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG.