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“Quão opostos aos tristes efeitos da centralização são os magníficos resultados da federação! (...) Uma extingue o sentimento de responsabilidade nos indivíduos, e esmaga o poder sob a carga de uma responsabilidade universal; a outra contém o governo no seu papel, e dos habitantes de um país faz cidadãos verdadeiros. Uma é incompatível com instituições livres; a outra só pode florescer com a liberdade.”
Aureliano Cândido Tavares Bastos escreveu estas palavras em 1870. E não se preocupe se você não reconhece esse nome (imagino que, excetuando os alagoanos, a maioria dos brasileiros desconhece). Tavares Bastos e a causa que ele defendeu ao longo da sua vida foram deixados de lado ao longo da história do Brasil. Mas é hora de recuperar tanto a causa quanto seu campeão. É hora de reviver a crítica à centralização e a defesa do federalismo.
A centralização institucional no Brasil sempre foi a regra. Da colônia portuguesa até a República, o poder político sempre esteve concentrado no centro, onde quer que ele fosse. Como disse Ruy Barbosa, “tivemos União antes de ter estados, tivemos o todo antes das partes”. A manutenção da integridade do território brasileiro sempre se sobrepôs aos anseios de autonomia local. A despeito de algumas idas e vindas, em que províncias e estados ganharam competências, o destino da nação sempre foi traçado por uma pequena elite, isolada e distante do resto do país.
Os efeitos da centralização são muitos, e perversos: menos adequação da lei às particularidades culturais e geográficas; menos accountability sobre as ações dos governantes; isolamento dos decisores das consequências reais de suas decisões. Mas talvez um dos mais negativos, e que Tavares Bastos já condenava no século 19, é o quanto um sistema político centralizado como o nosso esmaga o indivíduo. Aniquila a cidadania.
Hoje, o brasileiro comum, distante de Brasília, acompanha o noticiário político com a mesma sensação de afastamento com que acompanha uma telenovela ou uma série na Netflix. Todos conhecem os personagens e entendem, mais ou menos, como funciona a trama de Brasília. Mas permanece a impressão de uma realidade alternativa, intocável. Quem decide sobre a vida e sobre a própria saúde do brasileiro não está no mesmo barco que ele. Não bebe da mesma água e não sofre as consequências do uso do poder.
O cidadão médio não se sente responsável pelo seu país. Não se sente livre no sentido positivo, de quem pode determinar seu próprio destino. Ele é um mero passageiro numa embarcação em que ele não tem contato com a tripulação. Esse é efeito de um país gigantesco, com um Estado enorme e instituições centralizadas. Quanto maior a centralização, menor o cidadão.
O antídoto da centralização é a autonomia local. O brasileiro está distante de Brasília, mas ele conhece o seu bairro, vive os problemas da sua rua e tem ideias sobre como melhorar sua cidade. A política se torna mais real quando se torna mais local.
O federalismo brasileiro deveria seguir o princípio da subsidiariedade: as decisões deveriam ser tomadas sempre no âmbito mais local possível. Antes de mais nada, nos municípios. O que escapa aos municípios fica com o governo do estado. E somente o que restar deve ser competência da União. Mas vivemos uma falsa federação, em que Brasília leva a maioria das competências e a maior fatia dos recursos.
Transformar (ou abandonar!) nosso pacto federativo significa trazer o poder de Brasília de volta aos cidadãos. É uma luta por mais autonomia e liberdade. É tornar a política mais local, mais real e mais próxima de quem sofre as consequências dela. É o sonho esquecido de Tavares Bastos. Não é tarde demais para transformá-lo em realidade.
Bruno Souza é deputado estadual pelo Novo em Santa Catarina.