Nossos ilustres congressistas, sob o sugestivo apelido de “reforma política”, estão, na verdade, legislando em causa própria. Diante dos palpáveis riscos de não se reelegeram no pleito ano que vem, muitos deputados e senadores precisam de regras eleitorais favoráveis a seus rasteiros interesses circunstanciais. Sim, o distritão e o fundo partidário bilionário são a receita encontrada para garantir a continuidade dos caciques e da tribo de canalhas que apodrecem a política brasileira. Eis a realidade dos fatos; o resto é conversa fiada.
Vamos ser claros e diretos: o Congresso atual não tem legitimidade para mudar as regras do jogo eleitoral. Tudo o que for feito para proteger a corja instaurada em Brasília será olimpicamente inaceitável. Ora, a Constituição foi categórica ao afirmar que “todo poder emana do povo”, ou seja, leis engendradas para frustrar a vontade popular são geneticamente inconstitucionais e, por assim serem, nulas e inválidas. Aliás, um Congresso ilegítimo não passa de uma usina de leis fraudulentas.
Chega! Não podemos mais aceitar a baixeza de alguns artífices da classe política. A honra da democracia não está à mercê de representantes sem ética. Prerrogativas parlamentares não são avais para leis imorais. Legislar não é proteger interesses venais nem beneficiar amigos de ocasião. É preciso dar seriedade à política. Ou acabamos com a imoralidade ou a imoralidade acará conosco.
O Congresso atual não tem legitimidade para mudar as regras do jogo eleitoral
É indubitável que o sistema representativo proporcional gera iniquidades que devem ser necessariamente sanadas. Infelizmente, o modelo falhou. Em obra clássica do direito político brasileiro, a sabedoria superior de Afonso Arinos imaginou o dia em que os partidos seriam “o lar cívico que deve existir sempre, ao lado do lar doméstico”. Acontece que não passamos de destelhados partidários. Às vezes, um coração puro vai longe ao imaginar um ideal inatingível, pois alheio aos males que governam o mundo. E, assim, entre o sonho e a realidade, a vida faz viver o espetáculo do possível, no movimento pendular entre progressos e retrocessos inerentes à natureza humana.
De tudo, o mais impressionante é que a ruindade do sistema atual poderá ficar ainda pior. Sem cortinas, o famigerado “distritão” desorganizará ainda mais o arcabouço partidário nacional, instaurando um autêntico salve-se quem puder na política nacional. Nesse vale-tudo eleitoral majoritário, os que tiverem maior acesso aos bilhões do Fundo Partidário farão as campanhas de maior visibilidade e envergadura. Ou seja, o dinheiro, e não os princípios, seguirá mandando na política. O resultado será um só: teremos eleições ainda mais injustas e desiguais no Brasil.
Leia também: A reforma política e a pressão popular (editorial de 18 de agosto de 2017)
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A renovação da classe política é uma necessidade inadiável para um país com sede de decência, ética e competência governamental. O problema é que renovar a política significa acabar com uma emaranhada teia de poder que beneficia parlamentares corruptos, empresários antiéticos e organizações imorais. O sistema é ruim, mas beneficia muita gente graúda. Não adianta ser ingênuo nem posar de inocente; o jogo é pesado, exige trava alta, imposição física e saber se defender. No fim, dá para sair sem se corromper, mas com uma série de ilusões perdidas.
Temos de entrar em campo e jogar para vencer. Se o Congresso, mais uma vez, trair os anseios da democracia brasileira, caberá à sociedade reagir a essa flagrante subversão legislativa e não se calar à picaretagem vestida em trajes oficiais. Temos de dar um basta a tudo isso que nos cansa e envergonha. Para tanto, precisamos urgentemente de uma nova atitude cívica. Só a coragem do agir decidido e consciente mudará a cara do Brasil.
Ou será que estamos satisfeitos com as feições do agora?