Não, não é o fim da economia de mercado! A crise atual é a manifestação mais clara de que o capitalismo continua a ser o que sempre foi: uma forma de organização social extremamente dinâmica e mutável. Para dizer em uma só palavra: instável. Essa sempre foi a percepção dos maiores economistas da história. Para compreender a crise em curso, basta conhecer certas idéias de alguns grandes economistas mortos.
No distante século 18, Adam Smith já sabia que o egoísmo move a ação humana nos mercados. Quando a motivação é econômica, não se deve contar com o altruísmo de ninguém. É para o egoísmo do vendedor que o comprador apela, ao lhe acenar com sua carteira. Décadas depois, o velho Karl Marx afirmava: no capitalismo, tudo que é sólido se desmancha no ar. Que o digam os ex-clientes do Lehman Brothers! Por fim, no século 20, John Maynard Keynes afirmava: não há como salvar a economia apenas com juros baixos. Se o ânimo dos empresários cair mais do que os juros, eles continuarão sendo considerados altos demais.
Esse punhado de idéias, síntese das escrituras econômicas, já nos dá uma boa idéia do que aconteceu com o mundo nos últimos meses.
O egoísmo desenfreado e mal regulado levou muitos investidores, especialmente nos EUA, aos limites de uma especulação digna das antigas festas de Baco. Quando se torna uma prática corrente hipotecar a própria casa para tomar empréstimos e aplicar na Bolsa, certamente o mundo econômico está dando sinais de que o auto-interesse superou os limites do bom senso. Mas, não devemos condenar as pessoas e famílias que, individualmente, tentaram ganhar dinheiro. Citando novamente Marx, é essa "sagrada sede de ouro" que move a ação de todos no capitalismo. O problema se coloca quando um número enorme de pessoas passa a ter o mesmo comportamento, gerando o risco de que, quando um líder der o sinal de que é hora de realizar lucros, vendendo ativos, torna-se impossível conter o estouro da manada. É aí que o pânico se estabelece e a confiança é quebrada. E sem confiança, a economia de mercado perde seu verdadeiro lastro: a crença mais ou menos religiosa de que os mercados vão se ajustar, cedo ou tarde.
Mas, por que chegamos a esse ponto? O grande erro, talvez, tenha sido a postura dos conservadores do mundo todo que pregavam uma crença ingênua na famosa "mão invisível" de Smith. "Deixem as pessoas livres para ganhar seu dinheiro", diziam. Agora, parece claro que a manada está em pânico.
É nesse ponto que voltamos a Keynes, talvez o mais relevante economista morto no contexto de crise atual. Quebrada a confiança, derrubado o ânimo dos empresários, é preciso buscar um agente fora do mercado para reerguê-lo.
Infelizmente, porém, a ingenuidade dos conservadores parece estar sendo substituída pela dos simpatizantes da esquerda. Aqueles que dizem, com um sorriso irônico mal disfarçado, que nos aproximamos do socialismo, certamente estão enganados. Na economia de mercado, vale a máxima: às vezes é preciso dar um passo para trás para poder dar dois à frente. É nas crises que as instituições capitalistas se aperfeiçoam. É essa capacidade de superá-las que o velho Marx não anteviu, levando-o a ser um profeta de um apocalipse do mercado que nunca veio. E não virá até onde a vista alcança. Segundo as projeções de diversos órgãos internacionais, o mundo conseguirá crescer em 2009 e espera-se o início da retomada para daqui um ano, talvez no início de 2010.
Nesse contexto, como ficam o Brasil e o Paraná? O país já está sendo contaminado, especialmente pela escassez de crédito e pela alta do dólar. Mas ambos os movimentos estão superdimensionados. Os bancos nacionais, sólidos desde o incompreendido Proer, não têm graves problemas de liquidez. Ao mesmo tempo, boa parte da alta do dólar está ocorrendo porque muitos exportadores estão adiando suas operações de câmbio, contando com elevações ainda maiores. Agindo de forma preventiva, o governo anuncia medidas sucessivas para conter a propagação da crise: crédito agrícola do Banco do Brasil, compra de debêntures das construtoras pelo BNDES, aquisição de bancos com problemas pela CEF. Com tudo isso, a crise por aqui deverá ser apenas uma desaceleração. O PIB brasileiro terá condições de crescer perto de 4% no próximo ano, acima da média das últimas décadas. Nada mal para um momento de crise internacional profunda...
No Paraná, como regra, a desaceleração costuma ser mais forte. A escassez de crédito e as incertezas empresariais tendem a impactar muito a demanda por automóveis e maquinário agrícola, com efeitos que se propagam pela economia do estado. Ao mesmo tempo, temos mais certeza sobre a queda dos preços das commodities como a soja do que sobre o nível em que vai se estabilizar o dólar. O efeito sobre o agronegócio do estado, portanto, é ambíguo.
Mas, se a lição a aprender é que a economia de mercado cresce com a crise, então o momento é de reflexão. Muitos empresários navegaram no mar de almirante do crescimento de 2007 e 2008. Agora, chegou a hora de ponderar como é que crescemos, que fragilidades deixamos de lado e que oportunidades devemos buscar. Quando essa reflexão terminar, será o momento de crescer novamente. Feliz 2010!
Robson Gonçalves é professor do ISAE-FGV.