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Felizes para sempre

Nos últimos dez dias nasceram os dois primeiros dentinhos do meu filho. Já faz oito meses que não dormimos uma única noite inteira e sabemos que a situação não irá melhorar antes que tenhamos o próximo. Foi aí que percebemos: provavelmente, só voltaremos a aproveitar uma boa noite de sono daqui a alguns anos.

Estamos juntos, minha esposa e eu, há quase dez anos, entre namoro, noivado e casamento. “O começo será difícil. O primeiro ano é definitivo” – nos disseram. Aliás, todos costumam dizer muitas coisas aos casados. Demos ouvidos, anotamos tudo, mas sabíamos que a tolerância ao desconhecido está muito mais ligada à resiliência do casal que ao tamanho do monstro.

Chesterton costumava dizer, quando perguntado sobre o casamento, que a sua finalidade era sobreviver ao instante em que a incompatibilidade se tornasse inquestionável. Viver com outra pessoa é difícil, mas é ainda mais difícil encontrar alguém que saiba do que está falando quando pronuncia a palavra “casamento”.

Em uma época na qual jogamos tudo fora, das roupas que juntam bolinhas aos tênis que saem de moda, daqueles com mola, seis, ao estilo Mc-alguma coisa, nada mais natural que o movimento constante que o homem moderno faz em direção contrária à eternidade. Digo, não que ele não busque o “felizes para sempre”, mas ele costuma se preocupar apenas com o “felizes” e desconsidera o “para sempre”.

A cada vez que eu cruzo com um casal com mais de 80 anos e que ainda se olha apaixonado, um Nietzsche morre

Aqui vão, rapidamente, como em uma sequência de jab, jab e direto, três verdades rápidas sobre o matrimônio: ele será inconstante – ora maravilhoso, ora infernal –, lhe fará amadurecer e ele será o maior inimigo ao seu egoísmo. Certo; que droga, não? Agora vem a notícia boa: ele depende completamente do casal. O casamento, comumente confundido com uma prisão, traz ao homem a sua maior alforria: nunca mais você precisará visitar aquelas baladas chatas, entupidas de gente, fingir que gosta dessas músicas mais modernas, segurar o copo de vodca adulterada e a latinha do energético com a mesma mão e posar em todas as fotos com aquele sorriso predador.

Se tiver sorte, você poderá ocupar o grupo seletíssimo das pessoas que passam um ano inteiro com a mesma foto do perfil. Sem indiretas, sem reforços nem chamados para companhia, quando a temperatura despenca. Aliás, o inverno se torna uma companhia muitíssimo melhor compreendida.

O casamento pode apertar aqui e acolá, mas ele também lhe permite soltar um pouquinho mais a gravata, usar calças um pouco maiores e perder – um pouquinho, vai – o vício de medir com uma fita o tamanho da barriga. Sejamos francos: há uma liberdade maior que a do fondue sem culpa? Você comparar isso e dormir de conchinha com micareta na chuva e namoradrilha?

Brincadeiras à parte, a união matrimonial levada a sério é, mais do que qualquer coisa, uma cusparada contra o rosto de todo filósofo pós-moderno esquisitão; aquele tipo de gente que insistiu, a vida inteira, que estamos sozinhos. Que a vida é um barco e que o mar é escuro e que tudo que temos a fazer é aproveitar a solidão da viagem. A cada vez que eu cruzo com um casal com mais de 80 anos e que ainda se olha apaixonado, um Nietzsche morre.

Toda alegria só passa a ser percebida quando junto a ela surge uma negação. Sem limites, todas as linhas se confundem, a vista embaralha e você já não sabe mais diferenciar uma grande conquista do IPVA de cada ano. O casamento, pensado de fora, feito contas, calculado cada centímetro social entre a briga pela toalha molhada em cima da cama e o telefone que não é atendido, não faz o menor sentido. Mas é justamente sob essa ausência de sentido que construímos um castelo que é capaz de contrariar as leis do tempo e do espaço e que pode durar para sempre.

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