Em 2011, no Canadá, um grupo de mulheres saiu às ruas para gritar "basta!" à cultura da violência que, além do mais, faz das vítimas as culpadas pelas agressões: "Ninguém mandou se vestir como uma vadia!" Eis a lógica machista, que não apenas justifica, mas atenua e torna natural a violência. A cada dia milhares de mulheres são assassinadas, violadas, espancadas, humilhadas, apenas por serem mulheres. Os agressores são homens criados na cultura da violência e do machismo.
O movimento feminista sempre lutou contra tais violências, de modo que a novidade da Marcha das Vadias é sua estratégia do combate. Se a violência masculina culpa a mulher agredida, chamando-a de vadia, então será preciso inverter os sinais e fazer da denúncia da violência uma arma de afirmação do poder feminino. Foi assim que a Marcha das Vadias se apoderou do termo "vadia" e fez dele um poderoso instrumento de poder. A Marcha das Vadias que ocorre em Curitiba amanhã é a culminação de um conjunto de discussões, ações jurídicas, além de ações educativas nas escolas e universidades.
A Marcha é um multifacetário coletivo feminista de combate às violências de gênero, que atingem também a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Ela nos ensina que fazer política é ocupar as ruas e praças com corpos vestidos e desnudos, que se fazem presentes para exigir uma outra vida. Queremos poder transitar pelas cidades a qualquer hora, com qualquer traje, independentemente da orientação sexual, da identidade de gênero, do pertencimento de classe e raça/etnia, sem sermos violentadas, agredidas, mortas.
Também lutamos por direitos já tão restringidos e que correm o risco de ser retirados, como no caso do Estatuto do Nascituro, que faz do embrião um sujeito de direito e usurpa à mulher o direito conquistado de abortar em decorrência de um estupro. Para não falar na urgência de se legalizar o aborto e transformá-lo em prática segura. Por tudo isso, "se ser vadia é ser livre, então eu sou vadia!"
A vadia liberta é aquela que ama seu corpo como ele é e faz dele o suporte da denúncia de todas as violências. E é incrível que uma perna ou um seio à mostra sejam mais escandalosos que a despudorada tolerância com que cobrimos a violência que dilacera o corpo feminino. Algumas mulheres ainda se incomodam com a denominação de vadia, pois foram ensinadas a fugir dela a todo custo. O problema é que nunca houve para onde fugir do machismo, que tem de ser combatido invertendo-se as regras do jogo, embaralhando-se as cartas, dando-se as cartas. Não tardará e também elas se juntarão aos homens que já agora se afirmam feministas e "vadios", participantes da Marcha. A luta das mulheres feministas é a luta de todos e todas que compreenderam a dignidade do combate à violência e à discriminação de gênero. Amanhã, a partir das 11 horas, venha para a Praça da (agora) Mulher Nua: uma "vida vadia" é mais alegre e interessante que ficar repetindo preconceitos e violências.
Maria Rita de Assis César, professora do Setor de Educação e do programa de pós-graduação em Educação da UFPR, é coordenadora do Laboratório de Investigação sobre Corpo, Gênero e Subjetividade na Educação (Labin).
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