Nas últimas semanas, além do Messi, dois outros argentinos estiveram no noticiário brasileiro: o papa Francisco e o representante das Nações Unidas no Brasil, Jorge Chediek. E há uma relação na razão da presença dos dois. O primeiro, por defender, entre outras coisas, uma economia mais solidária e humanista. O segundo, porque, como coordenador-residente do Sistema ONU no Brasil e representante-residente do Pnud no Brasil, apresentou os resultados da evolução do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) entre 1991 e 2010 no Brasil. Esse indicador, que mostra uma melhora no quadro social brasileiro, mostra também como ainda estamos atrasados e desiguais – sobretudo, como avançamos devagar nos objetivos aos quais deveríamos nos propor como nação.

CARREGANDO :)

O IDH é certamente uma das maiores contribuições ao pensamento prático social. Até ele, o mundo utilizava apenas o PIB como indicador de progresso e do avanço social. Concebido pelos economistas Mahbub ul Haq (paquistanês) e Amartya Sen (indiano), e publicado pela primeira vez em 1990, o IDH permitiu reorientar a visão do desenvolvimento para além da análise do crescimento da produção e da renda, passando a incorporar também outros objetivos sociais.

Quando surgiu, o IDH foi esnobado pelos economistas, como um devaneio pouco científico. Na verdade, o IDH é tão pouco científico quando comparado com um termômetro quanto é o PIB. Afinal, se é pouco científico somar renda com saúde e educação como faz a metodologia do IDH, também é pouco científico somar comida com bombardeiros, e ainda mais considerar como positiva a destruição de florestas ou a venda de armas, como faz o cálculo do PIB. Não há qualquer justificativa científica – e ainda menos moral – em medir como positiva a venda da arma e da bala que mata uma vítima de assalto.

Publicidade

Carregando suas limitações científicas, o IDH pelo menos dá um passo adiante ao PIB, pois leva em conta o estado da educação e da saúde, ao lado da renda, para medir o desenvolvimento humano de uma sociedade. De acordo com os dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013 e os dados de Contas Nacionais do IBGE, entre 2000 e 2010 o PIB brasileiro cresceu, a preços constantes, 1,43%, e o PIB per capita, 1,26%. Por sua vez, o IDH cresceu 1,19% no mesmo período. Isso mostra que ficamos 1,2% mais ricos em renda do que melhoramos em termos de desenvolvimento humano. Só esta constatação já seria suficiente para justificar o cálculo e uso do IDH.

Uma análise mais cuidadosa do IDH-M mostra que nossa melhora não foi mais acentuada por causa da educação, que puxa para baixo nosso indicador de bem-estar social. Ainda mais grave, a melhora em educação se deu graças ao aumento no número de matrículas e não graças a uma melhoria expressiva na qualidade da nossa educação: apenas cinco cidades, uma em cada mil, obtiveram IDHM-Dimensão Educação considerado "muito alto" (acima de 0,799). Quase 30% das cidades brasileiras tiveram uma nota inferior a 0,500 ("muito baixo") em educação.

Além disso, somos a sexta economia do mundo, mas que convive com 12 milhões de analfabetos adultos e 40 milhões de analfabetos funcionais, extratos da população que o IDH ainda não mede. Isso mostra o nosso atraso e a desigualdade na forma como a educação é oferecida. E, sobretudo, reforça o atraso ao vermos muitos comemorando avanços tão tímidos.

Cristovam Buarque, professor da UnB, é senador pelo PDT-DF.