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Pela vez primeira o Brasil tem um pacto fundante que reconhece como titulares de direito todos aqueles que ainda surgirão e serão as gerações do porvir

Estranha a celeuma criada em torno ao reconhecimento de que o nascituro pode ser autor em juízo. Em termos estritamente jurídicos, não há motivo para perplexidade.

Primeiro, vive-se num Estado de Direito de índole democrática em que o constituinte erigiu a vida como o primeiro dos direitos fundamentais. Na verdade, a vida é um pressuposto à fruição de todos os direitos. Não é por acaso que eles podem ser chamados de "bens da vida". Sem a vida não há se falar em liberdade, igualdade, propriedade ou segurança. Os outros quatro valores convertidos em cláusulas pétreas da Constituição e dos quais todas as exteriorizações enunciativas derivam.

Além dessa tutela tão enfática à vida, o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica. A partir disso, não pode haver dúvida alguma de que vida é um processo vital que tem início com a fecundação. No momento em que o espermatozóide fecunda o óvulo, ocorre o mágico fenômeno da concepção. Passa a existir um ser que já possui todas as características definidoras daquele fluxo que já não pode ser interrompido. É um ser vivo, portador de um patrimônio genético próprio, destinado a se desenvolver, a ter cuidados pré-natais, a nascer com todas as mais saudáveis perspectivas da existência e a crescer continuamente. Até que esse fluxo vital se encerre naturalmente com o evento morte. Única certeza indissociável da vida.

Dessa opção jurídica, ratificada pelo Parlamento, convertida em norma positiva no ordenamento brasileiro, derivam conseqüências muito nítidas. Qualquer espécie de aborto passa a ser vedada. Houve derrogação das hipóteses legais de tolerância desse mal. Ninguém recusa que o aborto é um mal. Mal desnecessário. Continua a ser crime, mas a opção política era deixar de punir no caso concreto de gestação resultante de estupro e se a medicina o indicar como a única fórmula de salvar a vida da mãe. Não é desarrazoado afirmar que essas possibilidades foram arredadas quando se adotou a tese concepcionista: a vida tem início com a concepção. Desde então, o feto goza de toda a proteção legal.

Isso não é novidade. O Código Civil de 2002 repetiu a previsão do Código Civil de 1916. Assegura-se ao nascituro a tutela suficiente para que seu desenvolvimento no ventre materno decorra com higidez e tranqüilidade. Tudo o que representar vulneração a esse direito fundamental à vida, é vedado pela ordem constitucional.

Não é difícil se chegar a essa conclusão. Nascituro é aquele que vai nascer. É gente. É ser humano. É criatura vocacionada a uma vida digna. A dignidade da pessoa humana é princípio fundamental da Constituição Brasileira. Por que se estranhar que ele possa ocupar o pólo ativo de uma relação jurídico-processual proposta para garantir a ele a fruição de direitos explicitados no sistema?

Muitos de nós ainda não acordaram para uma nova ordem constitucional que é verdadeiramente revolucionária. Pela vez primeira o Brasil tem um pacto fundante que reconhece como titulares de direito todos aqueles que ainda surgirão e serão as gerações do porvir. Ao conceituar meio ambiente, converteu-o numa categoria titularizada pelas futuras gerações. Pessoas que ainda não existem, mas são apenas potencialmente previstas. A comunidade virtual do futuro merece todo o esquema da tutela ambiental. Preservamos a natureza para que eles tenham condições de subsistir num planeta cada vez mais maltratado.

Com razão maior, aquele que já foi fecundado é gente, tem direito a assistência pré-natal, tem direito a impedir que sua mãe pratique aborto, tem direito a nascer em condições garantidoras da dignidade da pessoa humana.

Nada de insólito nisso. Decorrência inevitável de um ordenamento que prestigiou a vida, qualificou-a de dignidade para convertê-la em pilar, alicerce, princípio fundante da República. O Judiciário apenas reconheceu aquilo que o constituinte proclamou. Essa a sua função no Estado de Direito.

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