Pode parecer estranho, mas o título do nosso artigo está de acordo com as reflexões da filosofia socrática e platônica. Em muitos momentos da história, a questão da morte foi tratada como tabu. Em dias atuais, em meio à crescente violência urbana, essa questão parece banalizada. As pessoas, em geral, sofrem de uma espécie de bipolaridade: ao mesmo tempo em que ouvem falar (muito) sobre a morte, evitam pensar nela. Tratam desta condição humana como se fosse algo extraordinário, fora da ordem natural que compõe a aquarela da vida. A morte causa horror, é motivo de escândalo, medo e angústia. Mas isso nem sempre foi assim.
A maneira como pensamos a finitude está muito relacionada ao discurso que ouvimos e produzimos acerca dela. A filosofia analítica do século passado nos chama a atenção para a necessidade de uma análise atenta acerca do fenômeno linguístico, pois o mundo é fruto da linguagem. A linguagem engendra, institui a própria realidade. Portanto, uma análise não puramente conceitual, mas de maior amplitude, deve ser empreendida.
É interessante notar que, entre os povos pagãos, vida e morte constituíam os dois lados de uma mesma realidade. O pagus, vocábulo latino que dá origem à palavra “pagão”, era o espaço de terra reservado para o plantio. O campo de lavoura (pagus) era considerado sagrado, uma vez que ali habitavam os espíritos dos ancestrais que governavam aquelas terras: vida e morte coexistiam em sintonia. A terra que produzia o alimento para o sustento da vida era também o espaço sagrado onde os falecidos eram sepultados. A simetria entre o viver e o morrer era observada como parte constituinte da ordem natural do ser: não havia drama!
Durante sua vida, Sócrates rejeitou os excessos que considerava prejudiciais para o bem viver: os excessos do poder, do ter e do querer; e abraçou aquilo que realmente importava: a sabedoria, o bem e o belo
No mundo grego antigo, por exemplo, a morte tem o seu lugar, sendo reconhecido, inclusive, o direito de morrer. Questões éticas e jurídicas da atualidade estavam pacificadas no entendimento dos sábios antigos. Basta ler algumas das obras de Platão, como o Fédon, ou a Apologia de Sócrates, para atestar que a eutanásia e a pena de morte eram práticas aprovadas pela sociedade. O próprio Sócrates é testemunha disso. Ao ser condenado à morte, abraçou-a com dignidade, negando-se a fugir da sentença que lhe havia sido imputada.
A verdadeira filosofia é, na verdade, uma reflexão a respeito da morte. Aprender a morrer é uma atitude sábia, reservada àqueles que se entregam à atividade racional. Sócrates e Platão estavam certos disso. Pensar sobre a finitude deve nos remeter a pensar sobre a vida que temos vivido, a valorar aquilo que indubitavelmente é relevante. Sócrates não temia a morte e estava preparado para o encontro com ela. Durante sua vida, rejeitou os excessos que considerava prejudiciais para o bem viver: os excessos do poder, do ter e do querer; e abraçou aquilo que realmente importava: a sabedoria, o bem e o belo.
Na parte IV d’A República, Platão concebe o homem constituído de corpo e alma (alma no sentido de interioridade, de psiqué; evidentemente que não se trata de uma alma na acepção religiosa). Para ele, o nascimento é o aprisionamento da alma no corpo, enquanto a morte é a separação de ambos, a libertação. Desse modo, quando filosofamos estamos treinando a desagregação do corpo e da alma. Filosofar é aprender a morrer porque a alma deve governar o corpo, jamais o contrário. Cabe ao homem, através de seus pensamentos, saber conduzir sua vida, pois somente assim ele poderá se guiar no caminho do bem e da verdade.
Destarte, tomar consciência a respeito da condição e da finitude humana deve remeter o sujeito pensante a uma (honesta) reavaliação de vida. É por isso que fazer filosofia consiste em aprender a morrer. Nestes termos é possível pensar a morte como possibilidade, ou seja, em um sentido positivo que nos conduz para uma vida mais plena e responsável. Carpe Diem!